domingo, 2 de janeiro de 2011

Características cefalométricas do Padrão Face Longa: considerando o dimorfismo sexual



Artigo publicado no ano de 2007 (Maringá, v. 12, n. 2, p. 49-60, mar./abr.), pelos autores Leopoldino Capelozza Filho; Mauricio de Almeida Cardoso; Tien Li An; Francisco Antonio Bertoz, na Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial.

O estudo avaliou a hipótese de variação das características cefalométricas de acordo com o gênero para portadores de Padrão Face Longa.  Foram avaliados: padrão de crescimento facial, alturas faciais anteriores e posterior, relação maxilomandibular, além das relações dentárias com suas bases apicais.

O Padrão Face Longa é uma deformidade de prevalência relativamente baixa, em torno de 1,5% da população mundial. O grupo de indivíduos portadores é caracterizado por grandes desvios morfológicos em relação ao Padrão I, demonstrando significativo impacto estético. Para os indivíduos com face desagradável, um procedimento ortodôntico-cirúrgico está indicado.
A principal queixa desses pacientes é o excesso de exposição dentária ântero-superior com os lábios em repouso e dentogengival durante o sorriso, ocasionado pelo aumento excessivo do terço inferior da face.
A literatura é unânime quanto às características faciais e cefalométricas desses pacientes, inadequadamente denominados portadores de mordida aberta esquelética ou síndrome da face longa, ao invés de nominá-los pelo erro esquelético.
As amostras utilizadas nos estudos de Vig, Turvey; Haralabakis et al. e Cardoso et al. parecem mostrar uma predominância desta deformidade para o gênero feminino. Essa provável falsa impressão casuística pode ser atribuída a uma maior procura do tratamento por representantes femininos, em decorrência do prejuízo na estética facial.
Há poucos dados na literatura sobre dimorfismo sexual para características cefalométricas dos indivíduos Padrão Face Longa. Eles sugerem a hipótese de diferença entre os gêneros feminino e masculino, justificando assim o presente estudo, com objetivo de avaliar e dar ou não subsídio a esta hipótese.

 Material

O presente estudo foi devidamente aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa em Humanos da Universidade Estadual Paulista, Campus de Araçatuba (FOA 2001/0810). Foram selecionadas, a partir da documentação existente no Centro de Cirurgia e Ortodontia, 34 telerradiografias em norma lateral, na fase pré-tratamento, de indivíduos Padrão Face Longa, masculinos (n = 12) e femininos (n = 22), brasileiros, brancos, com indicação para preparo ortodôntico e cirurgia ortognática na maxila, mandíbula e mento. Como critério de inclusão, nenhum indivíduo havia sido submetido a tratamento ortopédico e/ou ortodôntico prévio, nem apresentava síndromes e/ou assimetrias significativas. Todos os indivíduos selecionados apresentavam idade acima de 15 anos, numa média de 22 anos e 2 meses (±7 anos e 5 meses) para a amostra total, sendo 25 anos e 4 meses (±7 anos e 4 meses) e 16 anos e 3 meses (±1 ano e 3 meses) as idades médias para os gêneros feminino e masculino, respectivamente. Deve-se ressaltar que a seleção da amostra dos indivíduos Padrão Face Longa foi baseada unicamente na morfologia facial, independente das relações sagitais dos primeiros molares permanentes, de acordo com a proposta diagnóstica de Capelozza Filho em 2004.
Considerou-se, na avaliação da fotografia do perfil facial, as seguintes características: 1) terço inferior da face aumentado em relação ao terço médio; 2) linha queixo-pescoço reduzida e ângulo queixo-pescoço fechado; 3) ausência de selamento labial passivo e 4) excesso de exposição dos incisivos superiores com os lábios em repouso.
Os requisitos técnicos para seleção das telerradiografias cefalométricas laterais foram a boa qualidade quanto à nitidez, posicionamento adequado da cabeça no cefalostato, contraste das estruturas ósseas e de tecido mole, além de uma adequada condição de visualização dos ápices dos incisivos e molares superiores e inferiores.
Para o grupo controle, utilizaram-se as telerradiografias de 39 indivíduos Padrão I (26 feminino e 13 masculino), brancos, brasileiros, adultos, pertencentes de uma parte da amostra de 100 indivíduos do estudo realizado por Reis et al. A idade média foi de 22 anos e 10 meses (± 2 anos e 10 meses), sendo 19 anos e 7 meses (± 3 anos e 1 mês) e 22 anos e 8 meses (± 2 anos e 5 meses) as idades médias dos indivíduos, femininos e masculinos, respectivamente. Os indivíduos controle caracterizaram-se por apresentar: 1) selamento labial passivo; 2) perfil levemente convexo; 3) terços faciais proporcionais; 4) linha queixo-pescoço paralela ao plano de Camper; 5) sulco mentolabial normal, com igual participação do mento e do lábio e 6) sem nenhum tratamento ortopédico e ortodôntico prévio.

Grandezas

Foram utilizadas as seguintes grandezas:
- Lineares: Co-Gn; Co-A; DifMxMd; AFAT; AFAI; AFAM; AFP; AFATperp (altura facial anterior total perpendicular); AFAIperp (altura facial anterior inferior perpendicular); 1-PP; 6-PP; 1-PM e 6-PM.
- Angulares: SNA; SNB; ANB; AnGon (Ângulo goníaco); AnPP (Ângulo do plano palatino); 1.PP; IMPA; A1/3IF (Ângulo do terço inferior da face); AnPM (Ângulo do plano mandibular) e NAP.
- Proporções: AFAIperp/AFATperp; AFAI/AFAT; AFAM/AFAI e AFP/AFAT. 

RESULTADOS

Em síntese, foram observadas diferenças significantes entre os indivíduos dos gêneros feminino e masculino Padrão I com relação às grandezas lineares e similaridade entre as grandezas angulares. Por outro lado, este quadro foi diferente para os indivíduos dos gêneros feminino e masculino Padrão Face Longa, onde houve predominância de similaridades tanto para grandezas lineares como angulares. Quando indivíduos do gênero feminino Padrão I e Padrão Face Longa foram comparados, evidenciou-se diferenças significantes para a maioria das grandezas, sejam lineares ou angulares. Diferentemente desses comportamentos numéricos, os indivíduos do gênero masculino Padrão Face Longa apresentaram disparidades em relação aos indivíduos Padrão I apenas nas grandezas relacionadas à altura facial, ao padrão de crescimento e à relação sagital.

DISCUSSÃO

Padrão de crescimento facial

De acordo com a literatura, há uma clara evidência de que, na avaliação cefalométrica, a deformidade que caracteriza os indivíduos Padrão Face Longa reside predominantemente abaixo do plano palatino. Esta afirmativa foi confirmada no presente estudo, onde os valores do ângulo do plano palatino não apresentaram diferenças significantes entre os indivíduos dos gêneros feminino e masculino, pertencentes ao Padrão I e Padrão Face Longa. Além disso, esta grandeza não demonstrou tendência ao dimorfismo sexual. Por outro lado, as grandezas que descrevem as deformidades localizadas abaixo do plano palatino, tais como os ângulos do plano mandibular e goníaco foram diferentes entre o Padrão I e o Padrão Face Longa, corroborando os dados da literatura. Todavia, para esses ângulos, não ocorreu tendência ao dimorfismo sexual, isto é, a magnitude do crescimento vertical nos indivíduos do gênero feminino e seus efeitos foram semelhantes nos indivíduos do gênero masculino.

Alturas faciais anteriores e posterior

Altura facial anterior total (AFAT) e total perpendicular (AFATperp)
O uso da grandeza AFATperp tem a finalidade de reduzir a influência do erro geométrico na avaliação da AFAT, em indivíduos que apresentam displasias esqueléticas com conseqüências rotacionais na mandíbula. Portanto, para os indivíduos Padrão Face Longa, o uso da AFATperp é mais adequado.
A presença de dimorfismo sexual foi observada nos indivíduos Padrão I. Essa diferença era esperada, uma vez que a altura facial anterior dos indivíduos masculinos é maior do que a dos indivíduos femininos em condições de normalidade. Entre os indivíduos Padrão Face Longa essa diferença não foi detectada entre os gêneros, provavelmente porque a deformidade face longa foi severa o bastante para superar a menor altura facial esperada para as mulheres, tornando-a similar à dos homens. Essa evidência é destacada pela diferença estatisticamente significante existente entre as mulheres Padrão I e Padrão Face Longa, com relação aos valores da AFAT e AFATperp.
Altura facial anterior média (AFAM)
Esta grandeza foi significantemente diferente entre os indivíduos do gêneros feminino e masculino do grupo Padrão I, com as mulheres exibindo uma AFAM menor. Isto não ocorreu para os indivíduos do grupo Face Longa, o que novamente evidencia que as mulheres afetadas apresentam um aumento significativo para a altura da face média, capaz de anular a diferença esperada em relação ao gênero masculino. Isso contraria, embora de modo sutil, o conceito de que, cefalometricamente, a deformidade face longa localiza-se abaixo do plano palatino.
Altura facial anterior inferior (AFAI) e inferior perpendicular (AFAIperp)
Analogamente à grandeza AFAT, a AFAI também pode sofrer influência da rotação mandibular, justificando-se o uso da grandeza AFAIperp para anulá-la.
O dimorfismo sexual esteve presente para AFAIperp para os indivíduos Padrão Face Longa e Padrão I. Esse dimorfismo foi resultado da interação entre a característica vinculada ao gênero masculino, que apresenta dimensão esquelética maior, e à deformidade esquelética, típica do Padrão Face Longa.
Não houve dimorfismo sexual, entretanto, para o valor da AFAI em indivíduos Padrão Face Longa. Este resultado provavelmente é devido à retrusão mandibular comum nos indivíduos Padrão Face Longa, mascarando a altura facial inferior real. Isso apenas comprova a inadequação dessa grandeza, que inviabiliza seu uso.
Altura facial posterior (AFP)
A literatura é controversa em relação à grandeza da altura facial posterior. Autores têm demonstrado presença de altura facial posterior menor, maior ou ausência de diferença significante quando indivíduos Padrão I e Face Longa foram comparados. Os dados da literatura não fazem distinção para gênero. Neste estudo, os valores da altura facial posterior dos indivíduos Padrão Face Longa foram inferiores aos dos indivíduos Padrão I no gênero feminino, contribuindo, em associação com o incremento da AFAIperp, para gerar a característica do Padrão Face Longa.
Observou-se tendência ao dimorfismo sexual tanto para o grupo Padrão I como para o grupo Padrão Face Longa. Todavia, de acordo com os resultados obtidos, a altura facial posterior no gênero masculino não diferiu significativamente entre os grupos Padrão Face Longa e Padrão I, contrastando com a altura facial posterior no gênero feminino, que foi significantemente diferente entre os grupos estudados. Clinicamente, a menor dimensão da altura facial posterior encontrada no gênero feminino contribui para gerar uma face longa mais severa nesses indivíduos, quando comparados aos do gênero masculino.

Proporções entre as alturas faciais

É essencial, além de observar as alterações ocorridas nas grandezas cefalométricas relacionadas às alturas faciais, considerar também as proporções existentes entre as várias dimensões da face. A estética nos indivíduos Padrão Face Longa é afetada, principalmente, devido a uma alteração desproporcional dessas dimensões. No presente estudo, houve dimorfismo sexual nos indivíduos Padrão Face Longa somente na proporção entre AFATperp e AFAIperp, diferentemente dos indivíduos Padrão I, que têm também a proporção AFAT e AFAI diferente entre homens e mulheres.

Relação maxilomandibular e os comprimentos efetivos da maxila e da mandíbula

A posição da maxila, avaliada pelo ângulo SNA, foi de retrusão em relação à base do crânio nos indivíduos Padrão Face Longa. Esse seria um evento esperado para os portadores da deformidade avaliada, mas foi significante apenas no gênero feminino. A retrusão maxilar provavelmente está associada a uma redução no comprimento efetivo da maxila (Co-A), conforme foi constatado no presente estudo. Ao mesmo tempo, isso também pode ser resultado da redução do comprimento da maxila (ENA-ENP), observada por Haralabakis et al. Todavia, esse resultado diverge das observações da literatura, onde não foram encontradas diferenças significantes quanto ao valor desse ângulo. Para o ângulo SNA, não se observou tendência ao dimorfismo sexual, apesar de existir diferença significante entre as mulheres Padrão Face Longa e Padrão I.
No que se refere à retrusão mandibular, não foi observada presença de dimorfismo sexual na comparação entre os grupos Padrão I e Padrão Face Longa. Quando os gêneros feminino e masculino foram avaliados isoladamente, ambos apresentaram retrusão significante para os indivíduos Padrão Face Longa, sendo esta mais acentuada para o gênero feminino, assim como a retrusão maxilar. Isso permite especular que existe uma maior tendência retrognata para o gênero feminino, corroborando os achados de Behrents. Não obstante, Haralabakis et al. encontraram um comprimento do corpo mandibular menor para o gênero feminino, provavelmente correlacionado a uma altura do ramo diminuída.
A avaliação da relação maxilomandibular, baseada no valor do ângulo ANB, mostrou um degrau positivo mais acentuado nos indivíduos Padrão Face Longa. Novamente, os resultados obtidos neste trabalho mantêm coerência na avaliação da relação maxilomandibular, não ocorrendo dimorfismo sexual para os grupos Padrão I e Padrão Face Longa. No entanto, no gênero feminino, os indivíduos do grupo Padrão Face Longa exibiram maior degrau positivo, em comparação com o masculino, atestando, dessa forma, uma característica mais retrognata dessa amostra. Simultaneamente, uma maxila mais retruída foi observada no gênero feminino do grupo Padrão Face Longa, assim como uma mandíbula suficientemente retruída para aumentar o valor do ângulo ANB. Em síntese, parece que o quadro final da retrusão maxilomandibular, observado no gênero feminino do grupo Padrão Face Longa, é resultante do somatório de retrusão maxilar e retrusão mandibular, definido pelo padrão do indivíduo, semelhante aos achados de Isaacson et al.
A retrusão mandibular foi enfatizada com a avaliação dos ângulos do terço inferior da face e NAP. Dimorfismo sexual não foi constatado para os indivíduos Padrão Face Longa, ocorrendo apenas para o ângulo do terço inferior da face (A1/31F) nos indivíduos Padrão I. Como era lícito esperar, o ângulo de convexidade facial (NAP) foi maior para ambos os gêneros no grupo Padrão Face Longa. O ângulo do terço inferior da face evidenciou diferença apenas para os indivíduos do gênero feminino, confirmando o maior comprometimento dessa variável nesses indivíduos.

Relações dentárias com as suas bases apicais

Quando avaliado o grupo Padrão I, houve presença de dimorfismo sexual em relação às distâncias ortogonais dos incisivos superiores e inferiores, porém, esse quadro desapareceu quando os indivíduos do Padrão Face Longa foram comparados. Isso confirma a existência de compensação dentária nos portadores de Padrão Face Longa, em maior intensidade no gênero feminino, já que a diferença observada entre os indivíduos Padrão I e Padrão Face Longa do gênero masculino foi muito pequena. A exceção é a distância dos molares inferiores ao plano mandibular, que nunca foi afetada pela doença. Esse resultado corrobora a tese de maior gravidade da discrepância face longa no gênero feminino.

CONCLUSÕES

Com os resultados obtidos neste trabalho, onde se procurou definir a presença de dimorfismo sexual em portadores de más oclusões do Padrão Face Longa, por meio da cefalometria, parece razoável concluir que:
1) Houve predominância de similaridade para grandezas lineares e angulares dos indivíduos do gêneros feminino e masculino Padrão Face Longa, revelando que a deformidade foi mais grave no gênero feminino, sendo severa o bastante para superar o menor tamanho esquelético esperado para esse grupo;
2) Quando os indivíduos do gênero feminino Padrão I e Padrão Face Longa foram comparados, evidenciou-se diferenças estatisticamente significantes para a grande maioria dos valores médios das grandezas, lineares ou angulares, que foram maiores no Padrão Face Longa.
3) Os indivíduos do gênero masculino Padrão Face Longa apresentaram disparidades em relação aos indivíduos Padrão I apenas nas grandezas relacionadas à altura facial, ao padrão de crescimento e à relação sagital.

Artigo na íntegra via Scielo:

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