segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

A obstrução nasal e o diagnóstico ortodôntico



Artigo publicado no ano de 2007 (Maringá, v. 11, n. 1, p. 107-113, jan./fev.), pelos autores Renata C. DiFrancesco; Eugênia Georgeous Papanikoulau Bregola; Laura S. Pereira; Rubens Simões de Lima, na Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial.

O estudo analisa a freqüência de obstrução nasal em pacientes submetidos a tratamento ortodôntico e verifica  a correlação com achados faciais e problemas dentários. 

As controvérsias em relação às conseqüências da obstrução nasal e à redução do espaço nasofaríngeo no desenvolvimento craniofacial têm estimulado várias pesquisas nesta área. Vários autores encontram associações entre desenvolvimento de má oclusão e obstrução das vias, postulando que distúrbios da respiração nasal prejudicam o desenvolvimento harmonioso da face, podendo levar a más oclusões e desvios do crescimento facial.
O desenvolvimento da oclusão deve ser considerado como o resultado de interações entre fatores de desenvolvimento geneticamente determinados e fatores ambientais, externos e internos, incluindo a função orofacial. Estudos sobre as relações entre padrão funcional e a prevalência das más oclusões refletem um aspecto do relacionamento entre forma e função.
Dentre as principais causas da obstrução nasal podemos citar: tonsila faríngea hiperplásica (adenóide), rinite alérgica, desvio do septo.
Como características faciais e oclusais dos indivíduos que apresentam respiração bucal, pode-se observar: maxila atrésica, protrusão de incisivos superiores, mordidas aberta e cruzadas, altura facial anterior aumentada, eversão de lábio inferior, lábio superior hipodesenvolvido, narinas estreitas, hipotonia da musculatura orofacial.
A maioria dos estudos na literatura relaciona as alterações de crescimento craniofacial com a respiração bucal. É difícil comprovar que o paciente realmente respire pela boca, trazendo dificuldades de interpretação destes achados. Deve-se considerar a presença de obstrução nasal e sua causa, uma vez que a respiração bucal é apenas uma conseqüência.
A obstrução nasal é sintoma muito freqüente. Caracteriza-se pela sensação referida pelo paciente de não conseguir respirar pelo nariz. Seu diagnóstico é eminentemente clínico e o médico deve perguntar sobre outros sintomas associados tais como: roncos, dispnéia e rinorréia. Faz parte da confirmação diagnóstica o exame físico, por meio da rinoscopia anterior, onde deve-se avaliar: o vestíbulo nasal, válvula nasal, a porção anterior do septo nasal e cornetos inferiores e médio. Faz parte, ainda, a avaliação da nasofaringe através de fibronasofaringolaringoscopia e radiografia lateral da cabeça (telerradiografia).
Não é conhecida a freqüência de obstrução nasal dentre pacientes com alterações ortodônticas.

OBJETIVO

Verificar a prevalência de obstrução nasal em pacientes submetidos a tratamento ortodôntico e a correlação com os achados facias e problemas dentários.

MATERIAL E MÉTODOS

Oitenta pacientes de 7 a 23 anos (37M, 43F) atendidos na Clínica de Especialização de Ortodontia da SPO, escolhidos aleatoriamente, foram submetidos à avaliação Otorrinolaringológica, que compreendeu a Anamnese e Exame Físico (Rinoscopia, Otoscopia e Oroscopia). Através da anamnese (dados referidos pelo paciente) era anotada a queixa de obstrução nasal, confirmada ou não através de exame físico. Neste exame pode-se avaliar o septo nasal, os cornetos inferiores e médios (coloração, tamanho, edema), o meato médio (obstrução, edema, secreção purulenta, etc), além da presença de secreções nasais que podem ser hialina, purulenta, mucopurulenta, etc. Na oroscopia observou-se o tamanho das tonsilas palatinas (de acordo com a classificação de Brodsky). A presença de obstrução na nasofaringe pela tonsila faríngea foi feita a partir da análise da telerradiografia de perfil, avaliando-se o grau de obstrução da nasofaringe em: 0 a 25%, 25 a 50%, 50 a 74%, 75 a 100%.
A avaliação Ortodôntica Clínica constitui-se de anamnese e exame físico, da Documentação Ortodôntica (DOC) inicial e análise de modelos.
A análise de modelos serviu para classificação da oclusão dentária e medidas do arco. O diagnóstico de atresia foi obtido de acordo com o trabalho de Martins, mediante a avaliação de Korkhaus Schwarz e Índice de Pont. O julgamento de palato ogival foi clínico.
Na DOC foram avaliadas as radiografias cefalométricas laterais, considerando-se:
- medidas das Análises de Ricketts et al., incluindo Padrão Facial (Índice de Vert).

Obtenção do Padrão Facial

Em cada radiografia foi realizado traçado cefalométrico manual das estruturas anatômicas de interesse para o estudo, de acordo com o cefalograma de Ricketts et al. (Fig. 1).


O tipo facial foi determinado através das grandezas que avaliam a mandíbula, ou seja, Eixo Facial (EF), Profundidade Facial (PF), Plano Mandibular (PM), Altura Facial Inferior (AFAI) e Arco Mandibular (AM), calculando-se o índice de VERT.
Desta forma pode-se obter, segundo Ricketts et al., um dos três tipos faciais básicos:
• Mesofacial;
• Braquifacial;
• Dolicofacial.
O Índice de Vert foi obtido pela média aritmética da diferença existente entre a medida obtida do paciente e o normal para a idade, dividido pelo desvio padrão. O sinal é negativo quando a tendência de crescimento é vertical e positivo quando horizontal. Somou-se o resultado de cada grandeza e dividiu-se por 5.
.

Com o valor obtido, encontrou-se o padrão do paciente:
- Mesofacial: entre – 0,49 e + 0,49
- Braquifacial: acima de + 0,5
- Dolicofacial: abaixo de – 0,5
Os dados foram tratados estatisticamente usando métodos paramétricos e não-paramétricos.

RESULTADOS

A idade média dos 80 pacientes variou de 7 a 23 anos (média = 14,2 anos; desvio padrão = 4,1 anos); dentre eles 41 (51,3%; IC95%: 39,8% a 62,6%) apresentavam obstrução nasal.
O diagnóstico mais freqüente de obstrução nasal foi a rinite inflamatória (Tab. 1).


Nesta amostra houve um predomínio de pacientes dolicofaciais entre os indivíduos com obstrução nasal, apesar de não ser estatisticamente significante (Tab. 2). Em relação às alterações dentárias, observou-se uma associação estatisticamente significante entre a atresia maxilar e a obstrução nasal, outras alterações como o apinhamento dentário e a sobressaliência também foram predominantes, apesar de estatisticamente não serem significativas. A presença de palato com formato ogival também foi maior em pacientes com obstrução nasal (Tab. 3).


DISCUSSÃO

Nesta amostra, observou-se que cerca de metade dos pacientes que estavam sob tratamento ortodôntico apresentavam obstrução nasal. A literatura sobre a prevalência da obstrução nasal geralmente analisa a freqüência de alterações ortodônticas em respiradores bucais. Frente a estes achados, o ortodontista deve observar o modo de respiração de seu paciente, assim como inquirir sobre os sintomas de obstrução nasal, encaminhando-o quando necessário para avaliação. Sabe-se que a obstrução nasal pode interferir no crescimento e desenvolvimento craniofacial e a falta de tratamento pode prejudicar o tratamento ortodôntico, influenciando sobremaneira as recidivas, após o término do tratamento. Sendo de extrema importância o seguimento multidisciplinar destes pacientes.
Pudemos observar diversos diagnósticos para a obstrução nasal. Sendo a grande maioria a rinopatia inflamatória, provavelmente a alérgica, e geralmente associadas à hipertrofia de cornetos (Fig. 2). As rinopatias acometem cerca de 40% da população geral, apresentando grande variação geográfica.
Outro diagnóstico bastante freqüente é a hiperplasia de tecido linfóide, que engloba as hiperplasias adenoideanas (Fig. 3) e amigdalianas, que juntas somam 15,6%. Comparando-se com os achados diagnósticos de outros autores, podemos observar uma freqüência maior desta afecção. Esta é bem mais freqüente em crianças pequenas por volta dos 5 anos de idade, sendo a média de idade nesta casuística de 14 anos.


Na adolescência as tonsilas faríngea e palatina passam por um processo de involução, entretanto, se não tratadas na infância podem prejudicar o desenvolvimento e crescimento dento-craniofacial. Já foi relatado um melhor desenvolvimento da face, principalmente quanto à rotação da mandíbula após a adenoamigdalectomia.
O desvio de septo está presente em poucos casos e espera-se uma freqüência de 20% na população geral, sendo a maioria dos pacientes assintomáticos. Especial atenção deve ser dada a esta causa de obstrução nasal pois, em geral, está associada à atresia maxilar, principal indicação para a expansão rápida da maxila, procedimento que em nossa experiência pode levar tanto à melhora quanto à piora do desvio e, portanto, temos como regra aguardar a expansão para reavaliar a necessidade da correção cirúrgica do desvio de septo.
Observou-se um predomínio de pacientes dolicofaciais (Fig. 4) dentre os que apresentavam a obstrução nasal, apesar de não ser estatisticamente significante. O grupo com obstrução nasal compreende o dobro de indivíduos dolicofaciais do grupo sem obstrução nasal, sendo que para os outros tipos faciais as proporções são semelhantes. A literatura aponta que estes indivíduos são os mais propensos a alterações dentocraniofaciais face à obstrução nasal. Tendo o terço médio da face mais estreito, e assim fossas nasais mais estreitas, a repercussão de qualquer fator patológico que resulte em obstrução nasal é mais deletéria que em outros tipo faciais.


As principais alterações dentárias encontradas entre os pacientes com obstrução nasal foram: atresia maxilar (Fig. 5), mordida cruzada, apinhamento dentário e sobressaliência. Estes resultados estão de acordo com vários autores e assemelham-se aos achados em estudos experimentais.


Estas alterações são explicadas pelo menor desenvolvimento em largura do terço maxilar, onde também encontra-se o palato ogival (Fig. 6), também freqüente dentre os indivíduos com obstrução nasal; estes podem ser explicados pelas teorias da matriz funcional de Moss, onde o ar passando pelas cavidades nasais estimula a expansão maxilar (Fig. 7); e ainda pela respiração bucal de suplência, pois nesta situação não há contato da língua com o palato duro e a contrição da musculatura que impede a expansão maxilar (Fig. 8).




Pode-se observar que há mais pacientes com palato ogival quando comparados com a atresia, o apinhamento e a mordida cruzada; pois em muitos casos há uma compensação da mandíbula ou inclinação dos dentes inferiores, resultando em mordida cruzada relativa.

CONCLUSÕES

Desta amostra ortodôntica, 51,3% apresentou obstrução nasal. Houve uma associação significante entre a atresia maxilar e palato ogival com a obstrução nasal. Houve um predomínio de pacientes dolicofaciais, apesar de não significante e de alterações dentárias como mordida cruzada, sobressaliência e apinhamento dentário.
Sugere-se que estes pacientes sejam submetidos à investigação de obstrução nasal, dando-se importância ao tratamento multidisciplinar.


Artigo na íntegra via Scielo:

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