quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Oclusão: reconhecimento das características oclusais por alunos de graduação


Apesar de não possuir a documentação completa em mãos, analise as imagens e tente responder:

Qual a classificação dessa maloclusão segundo Angle? Apresenta alterações no sentido transverso? Apresenta discrepância negativa? Apresenta trespasse horizontal e vertical aumentados? Apresenta diastemas? Se sente apto a tratar o caso? Há necessidade de indicação para um especialista para tratamento imediato? Qual a época ideal para iniciar o tratamento ortodôntico? O surto puberal é importante para o tratamento desse caso? 

Artigo publicado na Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial, pelos autores José Augusto Mendes Miguel, Ione Portela Brunharo e Priscila Tayah Garcia Esperão, no ano de 2005 (Maringá, v. 10, n. 1, p. 59-66, jan./fev.).

Freqüentemente, tanto nos consultórios de Ortodontia como nas clínicas de Universidade, encontramos pacientes indicados para tratamento na fase da dentadura mista para corrigir características que poderão apresentar melhora ou até correção espontânea ao final das trocas dentárias. Neste sentido, verifica-se a necessidade de capacitar os novos cirurgiões-dentistas para o diagnóstico das más oclusões, a fim de que esta situação se reverta e o prognóstico dos tratamentos ortodônticos não seja prejudicado por um tratamento indevido ou um encaminhamento tardio.
Por este motivo, foi realizado este trabalho com o objetivo de avaliar o grau de conhecimento em Ortodontia do aluno de graduação nas faculdades de Odontologia, no Estado do Rio de Janeiro, no que tange ao diagnóstico e reconhecimento das características normais da oclusão na dentadura mista, assim como a conduta clínica dos estudantes frente a um paciente com desenvolvimento normal da oclusão.

MATERIAIS E MÉTODOS

A amostra foi composta de 138 alunos do último período de graduação de 10 escolas de Odontologia no Estado do Rio de Janeiro, sendo estas a Faculdade de Odontologia de Campos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Gama Filho, Universidade Estácio de Sá, Universidade de Volta Redonda, Universidade de Nova Iguaçu, Unigranrio e Universidade Veiga de Almeida.
Foi utilizada a técnica padronizada de coleta de dados, através de questionário, o qual vinha anexado a um caso clínico. Estes foram apresentados a todos os alunos do último período que estavam presentes no dia da visita, individualmente e sem limitação de tempo para responder as questões. A documentação dos pacientes consistia apenas de fotos de frente e perfil da face e modelo de gesso. O caso clínico apresentava uma paciente Classe I de Angle durante a fase da dentadura mista (Fig. 1), sem alterações no sentido transverso, sem discrepância negativa, com trespasse horizontal e vertical aumentados e diastemas (" fase do patinho feio" ). Após analisarem o caso clínico apresentado, os alunos eram questionados quanto à classificação de Angle. As perguntas eram fechadas e questionavam o tipo de má oclusão presente, assim como a influência do surto de crescimento no tratamento ortodôntico. Os alunos também eram indagados quanto à fase que considerariam ideal para o tratamento do caso e quanto à possível necessidade de indicação para um especialista. As respostas do questionário foram mantidas em sigilo para preservar a identidade dos alunos.



Embora os alunos não fossem identificados, suas faculdades de origem eram registradas, com o objetivo de comparar e estabelecer possíveis tendências de acordo com a escola de formação. Isto porque os currículos variam de conteúdo, podendo inclusive não constar treinamento clínico na Disciplina de Ortodontia. Assim, algumas faculdades contam apenas com aulas teóricas e atividades laboratoriais e outras têm também uma clínica específica para Ortodontia. Algumas escolas fazem este treinamento em conjunto com a Odontopediatria ou Clínica Integrada, que nem sempre conta com a mesma equipe de professores de Ortodontia. 

RESULTADOS

Analisando a distribuição da amostra, foi possível perceber que há certa facilidade por parte dos estudantes em detectar a Classe I de Angle, uma vez que a maioria dos alunos classificou corretamente o caso (n=120 ou 87,6%). Somente 13 alunos diagnosticaram o caso como sendo uma Classe II de Angle e 3 consideraram como sendo uma Classe III.
Quando questionados sobre quais características de má oclusão estariam presentes, foi possível constatar que a presença do trespasse horizontal aumentado é bem percebida pela maioria dos estudantes (n=109 ou 79,6%) assim como a existência de diastemas (n=112 ou 81,7%). Em relação à sobremordida, foi observado que 40 (28,9%) alunos identificaram um aumento da mesma, apesar do caso mostrado não apresentar sobremordida severa, e apenas um número muito reduzido da amostra considerou estas características compatíveis com a fase da dentadura mista.
Ao serem indagados sobre se sentirem aptos ou não a tratar o caso, apenas 10,1% entenderam que não havia necessidade de tratamento, por se tratar de um paciente com a oclusão totalmente compatível com a fase de desenvolvimento. Grande parte da amostra (69,5%) relatou ser necessária a indicação para um especialista, por considerar que havia necessidade de tratamento imediato, enquanto 26 estudantes (18,8%) disseram que estariam aptos a realizar o tratamento da má oclusão.
Outra questão abordada foi qual seria a época ideal para iniciar o tratamento ortodôntico. Para 34,8% dos alunos, o caso deveria ser tratado ortodonticamente durante a fase de dentadura decídua ou mista, enquanto 46,4% ao final da dentadura mista. A dentadura permanente pareceu a fase mais propícia para tratamento para 14,5% dos estudantes
O surto puberal de crescimento pareceu importante para grande parte da amostra, sendo que para 41% deles o tratamento deveria ser realizado antes do surto, para 43,5% durante e 4,3% quando o paciente não apresentasse mais crescimento. Apenas 8% consideraram que o tratamento de possíveis más posições dentárias em um paciente Classe I com a oclusão normal não depende do surto de crescimento, podendo ser realizado em qualquer época. 
As respostas dos alunos provenientes de escolas com atividades clínicas e laboratoriais foram comparadas com aquelas que só recebem treinamento laboratorial, não foram encontradas diferenças significativas. Também não foram encontradas diferenças significativas nas respostas quando os alunos foram agrupados por escola de origem.

DISCUSSÃO

Apenas 10,1% dos alunos consideraram a oclusão no caso apresentado compatível com a fase de desenvolvimento. A implicação disto pode ser a indicação indevida para especialistas ou mesmo a realização de tratamentos inadequados. De fato, aproximadamente dois terços dos alunos pesquisados disseram que indicariam o paciente para tratamento com um especialista. De acordo com Moyers11, geralmente não é boa prática tentar alinhar os incisivos central e lateral enquanto a coroa do canino estiver em cima da raiz do incisivo lateral, pois a pressão ortodôntica contra a coroa do lateral pode pressionar a raiz contra a coroa do canino e provocar reabsorção radicular. Só devem receber tratamento aqueles que, passada esta época, ainda apresentem a má oclusão.
Outra característica que geralmente gera preocupação de pais e clínicos é em relação à irregularidade na região anterior durante a erupção de incisivos inferiores. O desconhecimento que o apinhamento moderado na região de incisivos inferiores é transitório na fase da dentadura mista identifica a dissociação dos conceitos teóricos e práticos obtidos durante o curso de graduação. Embora o fato de os caninos e pré-molares serem menores em diâmetro mesio-distal do que os caninos e molares decíduos seja um fato amplamente explorado durante o programa de Ortodontia, a transposição dos conceitos teóricos para a prática é insuficiente. O espaço derivado desta diferença de tamanho (Lee-way space) vai proporcionar o alinhamento dos incisivos nos casos em que esta discrepância anterior for compatível com o espaço gerado com as trocas dentárias. É importante o clínico saber que este espaço não pode ser perdido de outras formas, como ocorre em caso de perda precoce de dentes decíduos, e daí a importância de mostrar na prática a administração deste espaço livre e os mecanismos de manutenção do perímetro do arco.
Quando indagados sobre qual seria a época ideal para iniciar o tratamento ortodôntico, para 34,8% dos alunos, o caso deveria ser tratado ortodonticamente durante a fase de dentadura decídua ou mista, enquanto 46,4% ao final da dentadura mista. Embora passível de variações, grande parte dos pacientes Classe I, sem a presença de discrepância negativa acentuada, podem ser tratados na dentadura permanente, pois a correção da má oclusão geralmente envolve alinhamento e nivelamento dos arcos, sem a necessidade de correção das bases ósseas. É muito comum observarmos a indicação para um especialista no momento em que o paciente perde os últimos dentes decíduos, como se esse fosse o critério mais importante para determinar a época de correção ortodôntica. Ao considerarmos qual a idade ideal para tratar um paciente, é preciso ter em mente que a idade dentária apresenta fraca correlação com a maturação da criança. Se apenas a erupção dentária for levada em conta, o profissional poderá acabar desprezando outros fatores mais importantes como o tipo de má oclusão assim como o surto puberal de crescimento, que é um importante aliado no tratamento de más oclusões Classe II e Classe III.
Um protocolo relativamente simples, embora freqüentemente ignorado, e que pode ser usado em pacientes com dentadura mista é o manejo do espaço (supervisão), um esquema de tratamento que inclui a manutenção do Leeway space. Entre outros, Moyers mostrou que é possível ganhar em média 2,5mm de espaço de cada lado da arcada inferior e cerca de 2mm de cada lado da arcada superior, se a posição do primeiro molar permanente for mantida durante a transição para a dentadura permanente. Gianelly levanta a hipótese de que as discrepâncias no tamanho dos dentes podem ser resolvidas em 85% dos pacientes com dentadura mista, com uma abordagem sem extração que inclui a colocação de um ou mais mantenedores de espaço no final da dentadura mista.
A sobremordida também é característica normal da fase transitória, e diminui após os 12 anos com a erupção dos segundos molares permanentes e crescimento facial. O estudo de Fleming mostrou através de acompanhamento longitudinal estas alterações do grau de sobremordida com o desenvolvimento das dentaduras.
Apenas 8% dos alunos considerou que o tratamento de possíveis más posições dentárias em um paciente Classe I com a oclusão normal não depende do surto de crescimento, podendo ser realizado em qualquer época. Nos casos em que se observa equilíbrio esquelético, o que ocorre em grande parte dos pacientes Classe I, o surto de crescimento não parece ser fator primordial para o tratamento, especialmente para os casos que apresentem características normais do desenvolvimento conforme o caso clínico proposto.
Com relação às características de má oclusão, acredita-se que algumas sejam mais perceptíveis que outras. Um exemplo disto pode ser visto na tabela 2, onde as características do trespasse horizontal e diastemas são muito mais facilmente identificadas do que por exemplo a sobremordida. Esta percepção é também mais fácil para os leigos, que costumam procurar até espontaneamente um especialista na presença de um trespasse horizontal aumentado ou um diastema anterior marcante, mas dificilmente por sobremordida exagerada. O importante é que os clínicos gerais devem ter a capacidade de identificar estas características de normalidade da oclusão durante o seu desenvolvimento. 

CONCLUSÕES

1) Foi possível perceber que há certa facilidade por parte dos estudantes em detectar a Classe I de Angle, uma vez que 87,6% deles classificaram corretamente o caso.
2) A presença de trespasse horizontal aumentado é bem percebida pela maioria dos estudantes, assim como a existência de diastemas. Em relação à sobremordida, foi observado que aproximadamente um quarto dos alunos identificou um aumento da mesma, e apenas um número muito reduzido da amostra considerou estas características compatíveis com a fase da dentadura mista.
3) Somente 10,1% do grupo estudado entenderam que não havia necessidade de tratamento ortodôntico naquele momento, por se tratar de um paciente com a oclusão totalmente compatível com a fase de desenvolvimento.
4) Para 34,8% dos alunos, a fase mais propícia para o tratamento seria durante a fase de dentadura decídua ou mista, enquanto para 46,4% ao final da dentadura mista, desconhecendo que muitas das características encontradas no caso seriam corrigidas fisiologicamente.
5) O surto de crescimento foi considerado importante para o tratamento do caso, visto que apenas 8% entenderam que a correção de possíveis más posições dentárias em uma paciente Classe I com a oclusão normal não depende do surto de crescimento.


Artigo na íntegra via Scielo:

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