quinta-feira, 17 de março de 2011

Síndrome da apnéia e hipopnéia obstrutiva do sono: análise cefalométrica



Artigo publicado na Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, no ano de 2005 (V.71, n.3, 369-72, mai./jun) pelos autores Cristina Salles, Paulo Sérgio Flores Campos, Nilvano Alves de Andrade, Carla Daltro.

Este é um artigo de Revisão de literatura onde aborda e nos apresenta de forma clara a síndrome da apnéia e hipopnéia obstrutiva do sono e esclarece o quanto a análise cefalométrica é uma ferramenta importantíssima para diagnosticar essa condição.

A síndrome da apnéia e hipopnéia obstrutiva do sono (SAHOS) caracteriza-se por episódios repetitivos de obstrução das vias aéreas superiores durante o sono, usualmente associada à interrupção do mesmo e queda da saturação da oxihemoglobina. Segundo Young et al., a freqüência da SAHOS na população de meia idade é de 4% nos homens e 2% nas mulheres. Porém, segundo a American Academy of Pediatrics, a prevalência da SAHOS nas crianças pode variar entre 0,7% a 10,3%, não havendo predominância entre os sexos.
O diagnóstico da SAHOS é confirmado através da polissonografia, sendo que nos adultos a apnéia é definida como a interrupção do fluxo aéreo por 10 segundos ou mais, e hipopnéia, como a redução de 50% ou mais do fluxo respiratório por período maior ou igual a 10 segundos, associados a um decréscimo superior a 3% na saturação da oxihemoglobina e/ou, a um microdespertar. É considerado apnéico aquele que apresentar 5 ou mais eventos respiratórios (apnéias e/ou hipopnéias) por hora de sono. Ao passo que nas crianças, segundo Consenso da American Thoracic Society, os achados polissonográficos são considerados dentro da normalidade caso o índice de apnéia e hipopnéia seja menor que 1 evento respiratória em 1 hora, duração mínima da apnéia inferior a 5 segundos, saturação de oxihemoglobina superior a 90% e gás carbônico ao final da expiração menor que 10% do tempo total de sono.
A eficácia do tratamento cirúrgico não tem se apresentado de forma satisfatória, porém tem evoluído juntamente com as técnicas de diagnóstico etiológico, ou seja, identificação do sítio obstrutivo das VAS. Diversos métodos têm sido utilizados com esse objetivo, entre eles está a cefalometria.
A radiografia cefalométrica corresponde a uma técnica utilizada no diagnóstico das deformidades craniofaciais, através da qual pode-se obter medidas da base do crânio, posição do osso hióide, configuração mandibular, espaço aéreo posterior da faringe, dimensões da língua, espessura e comprimento da úvula, entre outras. Alterações anatômicas nesses sítios podem predispor o paciente à síndrome da apnéia e hipopnéia obstrutiva do sono.

Análise cefalométrica no diagnóstico etiológico da SAHOS

Rivlin et al., utilizando a análise cefalométrica, puderam constatar que a área transversal da faringe nos pacientes apnéicos é de aproximadamente 3,7cm2, enquanto que nos indivíduos sadios é de 5,3cm2. O comprimento do palato mole nos apnéicos é de 48mm, ao passo que nos indivíduos sadios fica em torno de 35mm. Esse acentuado aumento do palato mole gera redução da nasofaringe e maior contato entre o palato mole e a língua, contribuindo para o colapso nessa área.
As medidas esqueléticas influenciam nas dimensões das VAS. Os principais parâmetros da faringe são as medidas do espaço aéreo posterior, ou seja, a distância entre a parede posterior da faringe e a base da língua ou palato mole. Essa região pode ser dividida em três diferentes níveis: o espaço aéreo posterior superior (situado entre a parede posterior da faringe e o contorno posterior do palato mole, ao nível do plano palatino); o médio (situado entre a parede posterior da faringe e o limite inferior da úvula) e o inferior (situado entre a parede posterior da faringe e a base da língua, ao nível da linha mandibular). Existe uma evidente redução do espaço aéreo nos pacientes que cursam com SAHOS, principalmente ao nível da úvula e plano mandibular. O achado mais importante obtido através da cefalometria nos pacientes apnéicos é a redução do espaço velofaríngeo (espaço aéreo posterior superior), que tende a ocorrer em cerca de 86% dos casos. Entretanto, Powell et al., observaram que 75% dos pacientes apresentam mais de um sítio obstrutivo.
A posição do osso hióide é de fundamental importância. Em indivíduos saudáveis o osso hióide encontra-se situado ao nível da vértebra cervical C3-C4, ao passo que nos pacientes com SAHOS tende a estar ao nível de C4-C6. Assim, a distância entre o osso hióide e o plano mandibular tende a ser maior (27,8mm) nos pacientes com SAHOS do que nos sadios (12mm).
Cerca de 58% dos pacientes apnéicos apresentam micrognatismo ou retrognatismo mandibular em relação a maxila. Durante a inspiração, em condições normais, observa-se um reflexo caracterizado por aumento da atividade dos músculos dilatadores da faringe (mais de vinte músculos) para minimizar o estreitamento da mesma, causado pela pressão intraluminal negativa. Desses, o mais estudado é o genioglosso, músculo da língua, muito importante para a dilatação da faringe. Sabendo-se que o músculo genioglosso insere-se na mandíbula, pode-se expectar que uma mandíbula pequena ou retrognata favorecerá a aproximação entre a base da língua e a parede posterior da faringe, com conseqüente redução das dimensões da orofaringe. Além desse fato, acredita-se que a atividade fásica do músculo genioglosso durante a respiração encontra-se diminuída nos pacientes com SAHOS e que durante o sono poderá gerar deslocamento posterior da língua, contribuindo para a oclusão das VAS. Opondo-se a esse fato, Fogel et al. demonstraram que a atividade muscular do genioglosso encontra-se aumentada em pacientes com SAHOS devido a pressão negativa nas VAS dos pacientes com SAHOS é maior do que em indivíduos sadios. Isto corresponderia ao resultado da faringe com menores dimensões e a necessidade de uma pressão intrafaringeana progressivamente maior para obter uma adequada via aérea pérvia. Conseqüentemente, esse aumento da pressão negativa aumentaria a atividade fásica do genioglosso. Sabe-se ainda que esse músculo recebe sinais diretamente da medula (sistema motor hipoglossal) e também pode ser influenciado por estímulo voluntário e por ação dos quimiorreceptores periféricos e centrais (PaO2 e PaCO2). O sistema motor hipoglossal é estimulado por neurotransmissores adrenérgicos, serotoninérgicos e colinérgicos via núcleo hipoglossal situado no sistema nervoso central.
Endo et al., através da análise cefalométrica, observaram que a língua tende a ocupar mais espaço das VAS nos pacientes obesos do que nos não-obesos portadores da SAHOS, tanto no sentido vertical quanto no sentido horizontal. A redução do espaço aéreo pode ser explicada pelo depósito de gordura na língua desses pacientes.
A causa mais comum de SAHOS nas crianças é a hipertrofia adenoamigadaliana, implicando em redução do espaço da rinofaringe e, conseqüentemente, a respiração bucal (96,2%). Através da cefalometria, pode-se observar significante aumento craniomandibular e ângulos intermaxilares, indicando rotação posterior da mandíbula, importante retroposição do plano mandibular que pode gerar um futuro crescimento vertical da face, característico do respirador bucal. Outro achado a ser considerado é a redução do crescimento maxilar e/ou mandibular. Crianças com SAHOS ainda podem apresentar queixo pequeno e palato duro ogival. Todas essas características anatômicas podem ser evidenciadas através da cefalometria.
Deve-se ficar atento para o fato de que crianças que se submetem a adenoamigdalectomia como tratamento para SAHOS podem apresentar recorrência do ronco durante a adolescência. Este fato pode estar relacionado a conseqüentes alterações craniofaciais, provavelmente provocado pelo início precoce da obstrução das VAS. O crescimento facial encontra-se quase completo entre as idades de 15 e 16 anos nas meninas e entre 18 e 19 anos nos meninos. Porém, o maior incremento do crescimento ocorre durante a infância, ou seja, em torno dos 4 anos esse crescimento terá atingido cerca de 60% do tamanho correspondente ao adulto, e em torno dos 12 anos terá atingido cerca de 90% das dimensões do adulto.
O mecanismo de colapso das VAS dos homens e das mulheres é diferente e relaciona-se com diferenças anatômicas locais. Um dos achados corresponde ao ângulo entre o palato duro e o palato mole, ou seja, os homens apresentaram este ângulo maior (47,1 graus) do que as mulheres (43,3 graus). Além disso, Malhora et al., verificaram que à medida que a pressão faringiana tornava-se progressivamente negativa, a úvula e a língua colocavam-se contra a parede posterior da faringe. Entretanto, a cada valor negativo, o colapso das VAS era menor nas mulheres do que nos homens, ou seja, com uma pressão faringiana de -13cmH2O tendia a haver colapso das VAS nos homens, ao passo que nas mulheres a VAS ainda estava pérvia. O colapso das VAS nas mulheres tendia a ocorrer quando a pressão estava em torno de -18 cmH2O.
Pacientes não-obesos com SAHOS tendem a apresentar as seguintes características anatômicas craniofaciais: hióide posicionado caudalmente, aumento das dimensões do palato mole, conseqüentemente redução antero-posterior da via aérea ao nível do palato mole, redução no sentido antero-posterior da nasofaringe, assim como da orofaringe. Enquanto que nos obesos com SAHOS pôde-se observar os achados anteriores acrescidos do aumento do volume das dimensões da língua e osso hióide anteriorizado. A posição inferiorizada e anteriorizada do osso hióide em pacientes obesos parece estar relacionada com o aumento do depósito de gordura da língua, conseqüentemente aumentando o volume da mesma.
Pacientes com SAHOS que apresentam maxila e mandíbula com medidas dentro da normalidade, ou seja, 96mm para a primeira e 125mm para a segunda, podem apresentar mandíbula retroposicionada, assim como osso hióide em posição caudal.
Cakirer et al., utilizando duas medidas antrométricas, o índice craniano (definido como a razão entre a largura máxima craniana e o comprimento máximo craniano, ou seja, largura máxima X 100/comprimento máximo) e o índice facial (determinado pela razão entre a altura násio-goniana e largura bizigomática, ou seja altura násio-goniano X 100/ comprimento bizigomático), puderam determinar o tipo facial do paciente. Observaram que os pacientes brancos com SAHOS apresentavam maior tendência para o tipo facial braquicefálico (forma craniana associada com redução das dimensões ântero-posteriores), ao passo que os Afro-americanos com SAHOS apresentavam tendência para o tipo facial dolicocefálico, ou seja, face alongada com dimensão craniofacial aumentada. A forma craniana braquicefálica resultou em pequenas dimensões ântero-posteriores da base do crânio e redução das dimensões ântero-posteriores das VAS. Logo, esse grupo apresentou maior risco de colapso das VAS. De forma oposta, existem situações em que pacientes com SAHOS têm características de dolicocéfalos (tipo facial vertical) com rotação dorso-caudal da mandíbula resultando em retroposição da língua. Complementando, Redline et al., constatou que afro-americanos jovens podem apresentar maiores riscos de SAHOS quando comparados com os caucasianos.
Outra consideração importante é que a maioria dos indivíduos que ronca e que tem SAHOS apresenta respiração bucal durante o sono. Quando se abre a boca em 1,5 cm, há um deslocamento dorsal do ângulo da mandíbula em 1cm, resultando numa diminuição de 1 cm na distância entre a parede posterior da faringe e o dorso da língua. Esta nova postura lingual provoca estímulo estático e dinâmico no véu palatino, úvula, pilares tonsilares, tonsilas palatinas e epiglote, levando a uma hipotonia e hipertrofia dessas estruturas que, com o relaxamento muscular e ação da pressão inspiratória que acontece durante o sono, leva ao colapso da faringe, conseqüentemente à SAHOS.

COMENTÁRIOS FINAIS

A análise cefalométrica apresenta importante valor no diagnóstico etiológico da SAHOS, e deve ser considerada entre os exames de rotina. A cefalometria corresponde a um procedimento diagnóstico necessário para se obter informações sobre anormalidades esqueléticas e em tecidos moles nos pacientes com SAHOS, ajudando na indicação cirúrgica que deve ser baseada na gravidade da doença e na presença de alterações anatômicas das VAS e do esqueleto craniofacial.

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