terça-feira, 29 de março de 2011

TERCEIROS MOLARES: O QUE FAZER?



Artigo publicado na Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial, no ano de 2004 (v.4, n.3, p. 137 - 143, jul/set), pelos autores Ana Claudia Amorim Gomes, Emanuel Dias de Oliveira e Silva, Tácio Pinheiro Bezerra, Mariana de Moraes Pontual, Zaira Ribeiro de Vasconcelos.
Os autores fizeram uma revisão de literatura onde elucidam as principais questões que perneiam a exérese de terceiros molares retidos, principalmente quando esta for para fins profiláticos e estejam assintomáticos.
Os terceiros molares são os últimos dentes a erupcionarem na cavidade bucal, e em decorrência deste fato, muitas vezes não encontram espaço suficiente para a sua erupção e permanecem retidos, por tecidos moles, ósseos ou ambos. Atualmente, a exérese destes dentes é o procedimento mais comum no cotidiano dos profissionais buco-maxilo-faciais. Porém, existe atualmente uma série de estudos que se destinam a estudar o momento mais oportuno de se indicar tal procedimento cirúrgico. O objetivo do presente trabalho é realizar uma revista de literatura sobre a conduta frente à retenção de terceiros molares inferiores no intuito de avaliar a indicação ou não de exéreses profiláticas de dentes assintomáticos.
O termo retenção dentária é utilizado para referenciar uma alteração de desenvolvimento de um dente em que, chegada a época normal de erupção, o mesmo permanece no interior dos tecidos.
Os terceiros molares são os dentes que mais freqüentemente encontram-se retidos, principalmente os inferiores. A falta de espaço no arco dental é o principal fator etiológico, porém, hereditariedade, tendência evolutiva, alterações patológicas, traumatismos e alterações sindrômicas e sistêmicas podem estar associadas.
A exérese cirúrgica de terceiros molares é um dos procedimentos mais freqüentes no dia-a-dia do cirurgião buco-maxilo-facial e representa um procedimento padrão para estes profissionais. Porém, a indicação deste procedimento é fruto de divergência entre os autores.
O fator financeiro, o risco de complicações cirúrgicas, o desconforto pós-operatório e a ausência de evidências científicas são motivos utilizados para contra-indicar a exérese de dentes assintomáticos.
Em contrapartida, a possibilidade de desenvolvimento associado de alterações patológicas importantes e a maior dificuldade cirúrgica após a formação completa do dente com maiores riscos à estruturas anatômicas vêm sendo afirmadas como justificativa para a conduta cirúrgica de cunho profilático.
O presente trabalho tem por finalidade realizar uma revisão da literatura à cerca da conduta frente à retenção dental dos terceiros molares inferiores. Para isto foram analisados diversos estudos pertinentes ao assunto, no intuito de se confrontar idéias e se encontrar subsídios para indicar ou contra-indicar a exérese de dentes assintomáticos.
Todo dente retido é susceptível a provocar transtornos de origens diversas, apesar do que muitas vezes passam despercebidos sem causar transtornos. Dentre os mais comuns, relatam a dor, apinhamento dental, pericoronarite, alterações patológicas, alterações periodontais e infecções.
A dicotomia entre os autores que sustentam a exérese profilática e os que a contra-indicam existe há longas datas. A Conferência de 1979 para se chegar à um consenso sobre a exérese de terceiros molares tentou uniformizar as opiniões. Foi demonstrado que é baixa a incidência de entidades patológicas associadas aos dentes retidos, não há critérios que comprovem a futura erupção de um dente impactado, a correlação entre terceiros molares e apinhamento dental não tem sido justificada e
a preservação deste dente poderia ser útil para um transplante em caso de perdas dentárias. Ficou decidido, portanto, que só seriam removidos dentes que possuíssem patologias associadas.
A ocorrência de lesões patológicas em associação com as retenções dentais de terceiros molares não é fato comum dentre os estudos epidemiológicos, porém, na presença de tal alteração, a mesma
requer tratamento específico e a associação lesão tratamento pode chegar a ter uma agressividade considerável no que se refere à morbidade, mortalidade e qualidade de vida pós-operatória. Segundo Leonard, os terceiros molares são “bombas do tempo”, podendo causar dor, infecções e, se não tratados, ameaçar a vida dos pacientes.
Em idade adulta o desenvolvimento de complicações associadas ao dente retido é mais freqüente, principalmente no que se refere à inflamações e infecções (pericoronarites) e danos aos tecidos mineralizados ou não adjacentes. Knutsson et al (1996) encontraram complicações por pericoronarite em 64% dos casos de seu estudo coorte
prospectivo de exérese de dentes retidos.
Ventä, Ylipaavalniemi, Turtola (2004) realizaram um estudo prospectivo, objetivando acompanhar as alterações clínicas no posicionamento de terceiros molares, num período de 18 anos. A amostra foi de 118 pacientes, inicialmente com 20 anos e posteriormente com 38 anos de idade. Concluíram que: houve um aumento dos índices de exérese cirúrgica destes dentes no período estudado; que parte daqueles pacientes que ainda possuíam terceiros molares aos 38 anos teriam indicação para removê-lo em uma data futura na vida; e que este procedimento teria um grau de dificuldade maior que se realizado anteriormente. Esta dificuldade se deve a menor elasticidade do tecido ósseo que recobre o dente, completa formação radicular com risco de fraturas ósseas trans-cirúrgicas e pós-operatórias e danos à estruturas nervosas.
Para Bui, Seldin, Dodson (2003), a idade é um fator de risco para o desenvolvimento de complicações pós-operatórias. Chiapasco, Crescentini e Romanoni (1995) realizaram um estudo para avaliar a relação entre idade e incidência de complicações pós exérese de terceiros molares. Numa amostra de 868 pacientes com idade entre 9 e 67, este estudo demonstrou que houve um aumento significante de complicações no grupo acima de 24 anos de idade.
GOMES (2001), em um ensaio clínico randomizado pareado, avaliou clinicamente a freqüência e o tipo de lesão nervosa aos nervos alveolar inferior, lingual e bucal, após exérese de terceiros molares inferiores retidos, variando duas técnicas. A amostra foi de 55 pacientes, portando 110 dentes, divididas em grupo controle e experimental, onde no primeiro realizava-se o descolamento e proteção do retalho vestibular e, no segundo procedia-se da mesma forma acrescentando o descolamento. O estudo demonstrou haver uma maior relação do aparecimento de lesões nervosas associadas ao grau de dificuldade cirúrgica. As injúrias pós-cirúrgicas ao nervo alveolar inferior e lingual ocorrem em 1,3% e entre 0,02-0,2% dos casos, respectivamente, e são mais comuns em adultos. Em decorrência do carreamento de fibras gustativas do nervo facial junto à fibras do nervo lingual um prejuízo desta função pode ocorrer, naqueles casos em que um dano severo ao nervo ocorrer (AKAL et al 2004).
O cuidado com o benefício pós-operatório dado ao paciente é relatado na literatura. Mcgrath et al. (2003), realizaram um estudo coorte com 100 pacientes no intuito de estudar a percepção destes quanto as mudanças na qualidade de vida após exérese de terceiros molares, em períodos de 1 semana, 1 mês, 3 meses e 6 meses. Os autores perceberam que os pacientes apresentaram uma melhora estatisticamente significante na qualidade de vida após o prazo determinado em relação ao pré-operatório, porém com um declínio no período pós-operatório imediato de uma semana. Além disso, os pacientes referiram melhora no conforto e odor bucal, na alimentação, na saúde geral, na fonação, no sono, no sorriso, no relaxamento, no humor, na personalidade, no convívio social, nos relacionamentos e na vida profissional. Para os autores este é um importante fator a ser incluído nos debates sobre a validade da cirurgia de terceiros molares.
Santos-Neto, Luz, Santiago (1997), realizaram uma revisão de literatura no intuito de avaliar a indicação e os benefícios da exérese de terceiros molares retidos, observaram que a retenção destes dentes pode desencadear complicações locais e sistêmicas nos pacientes e que a remoção dos mesmos traz benefícios. Dentre as conclusões afirmam que a exérese dos terceiros molares retido deve ser feita, preferencialmente no indivíduo jovem entre 16 e 18 anos de idade, devido à condições locais mais favoráveis, que a incidência de complicações é mais elevada em pacientes adultos e que a reparação das exodontias é melhor nos jovens.
A ocorrência de edema, trismo, hipoestesias dentre outros fatores têm sido utilizados como argumentos contra as exéreses profiláticas de dentes retidos, uma vez que o procedimento iria ocasionar desconforto pós-operatório para tratar algo assintomático (JAMILEH 2003). Em um trabalho avaliando o tipo, a freqüência e os fatores de risco associados à exérese de terceiros molares retidos Bui, Seldin, Dodson (2003) conclui que 4,6% dos dentes operados estiveram associados à complicações, sejam operatórias, como sangramentos e lesões nervosas, ou inflamatórias, como alveolites, retardo de cicatrização, infecção, dor e edema.
Para Renton, Mcgurk (2001), é difícil avaliar os fatores que dificultam a exérese por causa da larga variação entre os pacientes e a dificuldade de se desenhar um estudo clínico. Para Jamileh (2003), a remoção profilática de dentes retidos com vistas a evitar doenças futuras ou apinhamentos dentais não é aceita por esta fundamentada em limitadas evidências científicas.

DISCUSSÃO

Dentre os autores que defendem a exérese profilática de terceiros molares retidos a possibilidade de haver o desenvolvimento associado de lesões patológicas é um dos principais pontos de destaque. Os que contra-indicam afirmam que a incidência é baixa, logo, a exérese profilática indicada para todos os pacientes com o intuito de se evitar a instalação destes agravos não seria justificada, como relata Bishara (1999) em seu trabalho. Para Daley (1997), os terceiros molares são dentes normais, não patológicos, a sua presença nos maxilares não é indicação de condição patológica em pacientes de qualquer idade.
Muito embora não sejam de grande freqüência, as alterações, sejam elas inflamatório-infecciosas, císticas ou tumorais, passiveis de acometerem estes dentes, merecem atenção por parte do profissional, devido ao alto grau de morbidade, inclusive com possibilidade de haver déficit permanente à vida do paciente (LEONARD 1992). Curran, Damm, Drummond (2002), mostraram em seu estudo que as patologias que se desenvolvem em associação à estes dentes podem ser de grande valor, inclusive podendo predispor ao desenvolvimento de alterações malignas.
Peterson et al (1992) afirmaram que a remoção profilática deixaria de ter valor quando se analisasse pacientes em idade adulta, com mais de 30 anos, pois acreditavam que o risco de instalação de patologias associadas fosse mínimo e o risco cirúrgico alto. Em contra-partida, no amplo estudo de Curran, Damm, Drummond (2002), a idade média onde
foram encontradas alterações patológicas associadas a dentes retidos foi de 37,2 anos. Este dado confirma que as alterações patológicas podem ocorrer em pacientes já em idade adulta avançada, e que neste momento a exérese seria bastante dificultada, como afirma Gomes (2001), Ventä, Ylipaavalniemi, Turtola (2004), Ventä (2004) e poderiam trazer complicações pós-operatórias significativas ao paciente como descrito por Bui, Seldin, Dodson (2003) e Fuselier, Ellis III, Dodson (2002). O estudo de Lopes, Gurgel, Lima 2003 apresenta maior associação de entidades patológicas à dentes retidos entre 51 e 60 anos de idade.
Os estudos que acompanham o processo de evolução dos molares inferiores afirmam que, mesmo aqueles que encontram-se retidos podem vir a se tornarem erupcionados (VENTÄ, YLIPAAVALNIEMI, TURTOLA 2004). Tal fato é utilizado por alguns autores para contra-indicar a intervenção cirúrgica profilática, pois os mesmos acreditam que com o tempo o dente poderia vir a uma posição mais favorável à exérese com menores riscos de complicação cirúrgica e menores gastos operatórios (VENTÄ, YLIPAAVALNIEMI, TURTOLA 2001). Porém, para Peterson et al (2000), Richardson (1998), Liedke (1977), Verri (1973), a mais importante causa individual da impacção do terceiro molar é a ausência de espaço. No entanto, mesmo quando o espaço é adequado a erupção não esta garantida.
Desta forma, monitorando-se o desenvolvimento destes dentes até a idade adulta, é possível se comprovar que a exérese estará indicada em muitos casos devido à uma maior predisposição ao desenvolvimento de complicações pela existência dos dentes retidos, semi-retidos, ou até mesmo erupcionados. E que este procedimento será mais complicado e com maiores riscos do que se realizado no paciente jovem.
Para Chiapasco, Crescentini, Romanoni (1995), a formação completa da raiz esta mais relacionada à ocorrência de lesões nervosas trans-operatórias. Segundo Fuselier, Ellis III, Dodson (2002), a exérese profilática de dentes retidos antes dos 20 anos minimizaria os riscos de fraturas ósseas, tanto por haver um menor volume do dente ainda incompletamente formado, quando devido ao procedimento cirúrgico ser facilitado e com uma menor necessidade de ostectomia.
Alguns autores têm utilizado o argumento de dificuldade cirúrgica para não indicar a exérese de dentes retidos (RICHARDSON 1998, JAMILEH, PEDLAR 2003). Porém, a atual praticidade do ato cirúrgico, os menores custos operatórios e as técnicas modernas de diagnóstico e planejamento cirúrgico minimizam tal dificuldade.
O desconforto pós-operatório imediato com a ocorrência de dores, edemas, sangramentos dentre outros como referenciado por Jamileh, Pedlar (2003) e Mcgrath et al. (2003) é uma ocorrência importante a ser analisada com finalidade de se aperfeiçoar o procedimento cirúrgico. Porém, tal acontecimento não apresenta valor significativo quando comparado ao benefício à longo prazo proporcionado. Para Mcgrath ET al. (2003) o desconforto pós-operatório imediato seria uma etapa passageira para se chegar à uma melhora considerável na qualidade de vida a longo prazo.

CONCLUSÃO

Diante da dicotomia existente na literatura quanto à exérese profilática dos terceiros molares retidos baseada na falta de evidência científica. Porém, baseando-se na evidencia clinica da avaliação do potencial de complicações decorridas da permanência destes dentes ou da indicação tardia da sua exérese e, da atual praticidade do ato cirúrgico, pode-se concluir que a melhor conduta ainda é a remoção destes dentes em idade jovem.


Artigo na íntegra via Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial:

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