terça-feira, 15 de março de 2011

Análise de dentição mista: tomografia versus predição e medida radiográfica


Artigo publicado na Dental Press Journal of Orthodontic, no ano de 2010 (Sept-Oct;15(5):159-65) pelos autores Letícia Guilherme Felício, Antônio Carlos de Oliveira Ruellas, Ana Maria Bolognese, Eduardo Franzotti Sant'Anna, Mônica Tirre de Souza Araújo, mestrandos e professores de Ortodontia da FO-UFRJ.

A maioria das más oclusões envolve problemas relativos ao desequilíbrio entre o tamanho dos dentes e das bases ósseas. Apesar disso, existe um pequeno período no desenvolvimento da dentição em que o apinhamento na arcada inferior é considerado aceitável. Quando o incisivo lateral permanente inferior irrompe na cavidade bucal, existe, em média, a necessidade de 1,6mm de espaço adicional para que todos os dentes anteriores se alinhem corretamente. Em muitos casos, esse apinhamento é transitório e tende a dissolver-se espontaneamente, devido ao aumento da distância intercaninos, à migração dos caninos decíduos em direção aos espaços primatas e ao posicionamento mais labial dos incisivos permanentes em relação aos antecessores decíduos. Nessa fase, é importante a realização da análise da dentição mista para estimar o diâmetro dos dentes permanentes ainda não irrompidos e verificar, antecipadamente, se o volume dentário estará de acordo com o tamanho da base óssea.


Muitas análises foram desenvolvidas com esse propósito e, resumidamente, podem ser agrupadas em três categorias: as baseadas em equações de regressão, as que utilizam radiografias e aquelas que combinam os dois métodos anteriores.
Dentre elas, a análise de Moyers tem sido largamente empregada devido à sua simplicidade. Baseado no fato de que, em uma mesma pessoa, os dentes permanentes apresentam tamanhos marcantemente proporcionais, Moyers propôs uma tabela com os valores de caninos permanentes e pré-molares não irrompidos, utilizando como referência o diâmetro dos incisivos inferiores permanentes.
A fórmula de Tanaka-Johnston é uma maneira prática de obter a mesma informação, visto que dispensa a consulta à tabela. O valor dos pré-molares e caninos de uma hemiarcada é definido pela soma da metade do diâmetro mesiodistal dos incisivos inferiores permanentes, acrescido de um valor predeterminado, que corresponde a 10,5mm para uma hemiarcada inferior e 11,0mm para uma hemiarcada superior.
A radiografia oblíqua em 45º tem sido citada como um dos métodos mais confiáveis para obtenção dos diâmetros dos dentes ainda não irrompidos, por possibilitar a identificação unilateral e uma visão nítida dos dentes posteriores. O fator de magnificação nessa modalidade de exame é pequeno, a distorção menor do que a observada na telerradiografia de perfil e o tamanho do dente é efetivamente aferido, e não estimado.
Uma das possibilidades de aplicação da tomografia computadorizada na Ortodontia é a observação do exato diâmetro mesiodistal dos dentes para avaliação da discrepância dente-osso. Vistas tridimensionais da oclusão, geradas pelas tomografias computadorizadas, permitem uma análise rápida e eficiente, especialmente em pacientes na fase de dentição mista, já que as imagens ilustram dentes irrompidos, em fase de erupção e em desenvolvimento, além de sua posição relativa e formação radicular generalizada.
Devido à diminuição do comprimento da arcada, particularmente a inferior, durante a transição da dentição mista para a permanente, a análise da dentição mista é comumente aplicada à mandíbula.
No presente estudo, o objetivo foi comparar um novo método de análise da dentição mista, baseado inteiramente em medidas realizadas em tomografia computadorizada, com as já consagradas análises de Moyers, Tanaka-Johnston e radiografias oblíquas em 45º.

MATERIAL E MÉTODOS

A casuística foi composta por 30 pacientes, matriculados para tratamento dentário no Programa de Pós-Graduação em Odontologia (Ortodontia) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de ambos os sexos, sem distinção de raça e grupo social, e com bom estado de saúde geral. Todos apresentavam, ao exame clínico inicial, os incisivos e primeiros molares permanentes irrompidos; os caninos, primeiros e segundos molares decíduos presentes na cavidade bucal. Tais dentes não apresentavam cáries clinicamente observadas, restaurações, perda de substância dentária interproximal, fratura coronária ou qualquer anormalidade.
Foram confeccionados modelos de gesso a partir de impressões com alginato e os diâmetros dos incisivos permanentes inferiores foram obtidos nesse registro utilizando-se um paquímetro digital (Starret, Itu SP, Brasil) com precisão de medida de 0,02mm e precisão de repetição de 0,01mm (conforme especificações do fabricante). Um dispositivo foi confeccionado com resina acrílica e fio de aço inoxidável e adaptado às pontas do paquímetro digital (Fig. 1) para facilitar a medição do tamanho dentário. A maior largura mesiodistal dos dentes foi conseguida posicionando-se as pontas do paquímetro nas regiões de pontos de contato, paralelas às superfícies incisais e perpendiculares ao longo eixo do dente. Os valores dos quatro incisivos foram somados para que a tabela de Moyers, no nível de 75% de probabilidade, pudesse ser consultada, a fórmula de Tanaka-Johnston aplicada e os valores de caninos permanentes e pré-molares intraósseos previstos.



As radiografias oblíquas em 45º foram realizadas no Curso de Especialização em Radiologia Odontológica e Imaginologia da UFRJ. Tomadas dos lados direito e esquerdo foram obtidas para o mesmo paciente. O diâmetro dos dentes intraósseos nas radiografias oblíquas em 45º foi obtido utilizando-se também o paquímetro digital. A maior largura mesiodistal dos dentes foi determinada pelo método visual.
As tomografias computadorizadas, realizadas em aparelho i-CAT (Imaging Sciences International, Hatfield PA, EUA), foram importadas em formato DICOM pelo programa Dolphin 3D v.11 (Dolphin Imaging, Chatsworth, CAL, EUA). As medidas do diâmetro dos dentes intraósseos foram realizadas utilizando-se ferramentas desse programa. Para tanto, a imagem do longo eixo de cada dente foi corrigida nos três planos - axial, coronal e sagital (Fig. 2,3). A técnica empregada nesse estudo para mensuração dos dentes intraósseos fora testada anteriormente para avaliar dentes irrompidos e mostrou-se bastante apropriada. O método que utiliza tomografia computadorizada de feixe cônico para medir o diâmetro dentário pôde ser considerado válido.



RESULTADOS

A análise estatística descritiva contendo média, desvio-padrão, mínimo e máximo dos valores referentes à soma dos caninos permanentes e pré-molares direito e esquerdo em tomografia computadorizada de feixe cônico (CBCT), radiografias em 45º, radiografias em 45º com correção da magnificação e derivada da tabela de Moyers e fórmula de Tanaka-Johnston encontra-se na Tabela 1.



A concordância entre as medidas dos dentes não irrompidos em tomografia e os previstos pela tabela de Moyers e pela fórmula de Tanaka-Jonhston e, ainda, os medidos em radiografias oblíquas em 45º foi avaliada por meio da aplicação do índice de correlação intraclasse e do teste t pareado, com intervalo de confiança de 95% (p<0,05). Os resultados revelaram elevada concordância entre o método tomográfico e o radiográfico e baixa concordância entre o tomográfico e os demais avaliados (Tab. 2).



DISCUSSÃO

O diagnóstico por imagem e os modelos de estudo são ferramentas das mais importantes utilizadas em Ortodontia.
No contexto das técnicas radiográficas convencionais, um número variado de exames (periapicais, panorâmica, telerradiografias de perfil e posteroanterior, oclusal e oblíqua em 45º) é empregado rotineiramente com finalidade ortodôntica na avaliação da região craniofacial. Contudo, as radiografias convencionais são a representação bidimensional de estruturas tridimensionais e, por isso, apresentam alguma dificuldade em informar precisamente a orientação espacial, tamanho, forma e relação das estruturas anatômicas. Diferentemente das radiografias, que projetam em um só plano todos os objetos atravessados pelos raios X, a tomografia computadorizada de feixe cônico evidencia as relações estruturais em profundidade.
Também os modelos de gesso apresentam algumas limitações. Tradicionalmente, são medidos manualmente com auxílio de paquímetro. Alternativamente, as mensurações podem ser feitas em fotocópias, fotografias, hologramas, modelos virtuais. Entre algumas vantagens dos métodos digitais, em relação ao manual, estão normalmente o menor tempo gasto com as técnicas digitais, e a eliminação da necessidade de estocar os modelos de gesso, pois os arquivos são virtuais, facilitando o acesso ao registro diagnóstico a partir de outras localidades.
A utilização de tomografia de feixe cônico com o propósito de avaliar os diâmetros dos dentes intraósseos não fora testada. Apesar disso, estudos anteriores- apontaram para tal possibilidade, visto que as análises quantitativas em tomografia computadorizada demonstraram grande acurácia e precisão. As mensurações realizadas, em sua maioria, diretamente no crânio e na imagem em tomografia computadorizada do mesmo crânio foram absolutamente semelhantes. A precisão ou reprodutibilidade do método confirmou-se diante de escassos erros na repetição das mensurações, tanto intra como interexaminadores.
Na avaliação dos valores referentes à soma dos diâmetros dos dentes intraósseos, pré-molares e caninos permanentes, medidos em tomografia e derivados da tabela de Moyers e fórmula de Tanaka-Johnston, a análise estatística mostrou haver uma concordância baixa entre os métodos. Entretanto, estudos com tomografias médicas da região craniofacial indicaram que erros de medidas de até 5% são clinicamente aceitáveis; percentagem maior do que a observada na presente pesquisa.
No planejamento do tratamento ortodôntico, a variação individual representa um importante fator. Todos os métodos de predição do diâmetro mesiodistal dos caninos e pré-molares, como por exemplo a análise de Moyers ou de Tanaka-Johnston, desconsideram a individualidade e sub ou superestimam os valores reais dos dentes. Com a utilização da tomografia computadorizada de feixe cônico, os dentes são medidos, e não estimados. O exame tomográfico de um dos pacientes revelou a presença de macrodontia e anomalia de forma dos segundos pré-molares. Consultando a tabela de Moyers ou a fórmula de Tanaka-Johnston apenas, essa informação passaria despercebida e o espaço requerido para tal paciente seria previsto equivocadamente, menor que o real. Em outro caso, a agenesia dos segundos pré-molares também pôde ser constatada oportunamente no exame tomográfico ou radiografias em 45º, quando da realização da análise de dentição mista. Para esse paciente, com ausência dos segundos pré-molares, a tabela de Moyers e a fórmula de Tanaka-Jonhston não puderam ser aplicadas para fins de comparação com as medidas tomográficas, pois forneciam valores da soma dos caninos e pré-molares, primeiros e segundos. Para um outro, cuja soma das medidas dos incisivos inferiores foi de tão baixo valor que a tabela de Moyers não pôde ser consultada, a comparação com as medidas tomográficas também não foi possível. A casuística, por isso, foi constituída por 29 e 28 pacientes quando da comparação das medidas em tomografia com as sugeridas pela fórmula de Tanaka-Johnston e pela tabela de Moyers, respectivamente.
Por sua vez, os métodos radiográfico e tomográfico consideram a variação individual (cada um dos dentes é medido em ambos os exames) e, quando comparados, foi observada elevada concordância entre as medidas em um e no outro. Nas radiografias, em muitos casos (cerca de 29,21%) os dentes avaliados encontravam-se girados. Nesse sentido, a tomografia computadorizada de feixe cônico apresenta algumas vantagens em relação à radiografia em 45º. Os autores desse estudo concordam que as imagens tridimensionais apresentam grande potencial na avaliação quantitativa do crânio e da face devido à facilidade de identificação dos pontos, por conta da não superposição de estruturas, e também da possibilidade de mover a imagem tridimensionalmente, permitindo a visualização do objeto por vários ângulos.
Lima e Monnerat propuseram a correção da telerradiografia oblíqua em 45º para determinar o tamanho dos caninos permanentes e pré-molares intraósseos. Sugeriram que as medidas dos dentes na radiografia fossem multiplicadas por 0,928, resultando em alto grau de fidelidade em relação às medidas reais.
Curiosamente, o método radiográfico que inclui a correção da magnificação da imagem não foi o que apresentou maior correlação com o tomográfico (Tab. 2). Os dentes medidos em tomografia foram, freqüentemente, maiores que os medidos em radiografia de 45º e a correção da magnificação radiográfica tratou de acentuar essa diferença.
Segundo Bernabe e Flores-Mir; a análise de dentição mista deve apresentar um erro sistemático mínimo e conhecido, ser de fácil reprodução por um operador qualquer com treinamento básico, ser de rápida realização, não necessitar de nenhum equipamento muito sofisticado, poder ser realizada diretamente na boca e utilizada para ambas as arcadas. Sobre isso, é importante ressaltar que, nesse processo de substituição de um exame tradicional por outro inovador, os erros e o tempo destinado à avaliação do novo método tendem a ser maiores. À medida que o examinador avança na pesquisa e tem a oportunidade de avaliar mais tomografias, menos variações entre os métodos são observadas, observação que também foi constatada por Rheude et al.
Trabalhar com probabilidades que exijam exatidão torna-se difícil, pois a anatomia humana é dotada de variações. Diversos são os métodos que estimam o valor do diâmetro mesiodistal de caninos e pré-molares por meio de tabelas, equações e radiografias. Obter, através desses, o valor mais próximo do real é um desafio, pois todos correm o risco de falhar. A avaliação da efetividade dos mesmos não é um exame para aprová-los ou reprová-los, mas um mecanismo para verificar como esses métodos são responsáveis por um diagnóstico seguro. Assim sendo, aliado aos métodos de predição deve existir o bom senso do profissional, a fim de que o diagnóstico seja elaborado de forma eficaz.

CONCLUSÃO

A análise da dentição mista pelo método tomográfico é confiável e apresenta algumas vantagens em relação aos métodos avaliados. Ela considera variações individuais da anatomia dentária, facilita a identificação de pontos devido à não superposição de estruturas e à possibilidade de movimentar a imagem tridimensionalmente, permitindo sua visualização sob diferentes ângulos.



Artigo na íntegra via Scielo:

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