quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Avaliação da radiografia cefalométrica lateral como meio de diagnóstico da hipertrofia de adenoide

  
Artigo publicado na revista Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial, no ano de 2009 (Maringá, v. 14, n. 4, p. 83-91, jul./ago.), pelos autores Marcelo de Castellucci e Barbosa; Luégya Amorim Henriques Knop; Marcus Miranda Lessa; Telma Martins de Araujo.

A hipertrofia de adenoide é uma das principais causas da respiração bucal. Entre os métodos utilizados para o diagnóstico dessa condição, os mais precisos são a endoscopia nasal e a ressonância magnética. No entanto, o método mais utilizado, em Odontologia, é a radiografia cefalométrica lateral.  Este artigo objetiva determinar a eficácia dessa radiografia no diagnóstico da hipertrofia de adenoide, pela sua comparação com a endoscopia nasal, avaliando 30 indivíduos (7 a 12 anos). 

A relação entre as funções desempenhadas pelo sistema estomatognático e o padrão de crescimento dos seus componentes é um tema bastante discutido na Odontologia. Acredita-se que a respiração é uma das funções que mais influenciam o crescimento facial.
Quando existe a impossibilidade, ou mesmo alguma dificuldade, de se realizar, normalmente, a respiração nasal, o indivíduo passa a respirar pela boca. Cassano et al.; Kubba, Bingham e Tuncer et al. defenderam que a causa mais importante e mais frequente para a obstrução das vias aéreas superiores é a hipertrofia adenoideana. De acordo com Trotman, McNamara e Dibbets, a via aérea superior de uma criança é estreita e a redução de apenas 1mm em seu diâmetro pode diminuir o espaço aéreo efetivo em 65%, produzindo uma obstrução crítica.
Quando a respiração bucal se torna habitual, diversas mudanças posturais e estruturais podem ocorrer, como postura labial incompetente, lábio superior curto, mordida aberta anterior, mordida cruzada posterior, palato atrésico e profundo, incisivos superiores projetados, além de um relacionamento oclusal de Classe II de Angle.
No entanto, outros autores afirmaram ser difícil estabelecer se a obstrução das vias aéreas superiores é a responsável pela indução das alterações na morfologia craniofacial ou se essas alterações são primárias, determinadas geneticamente, facilitando a obstrução por pequenos aumentos de volume na massa adenoideana. Um dos principais aspectos questionados por esses autores é a metodologia utilizada pelos trabalhos que estabelecem a relação entre o padrão respiratório e alterações no crescimento dentofacial, principalmente no que diz respeito ao método utilizado para o diagnóstico da obstrução da nasofaringe.
Segundo alguns autores, o exame radiográfico do crânio, em norma lateral, possibilita a medição e avaliação desse tecido linfoide, com alto grau de precisão. Para outros, a radiografia cefalométrica lateral padronizada permite análise da localização, configuração e crescimento do tecido adenoideano.
Dois exames radiográficos são, comumente, utilizados para a avaliação de pacientes com suspeita de obstrução nasal: as radiografias de cavum e a cefalométrica lateral. A radiografia cefalométrica lateral é mais eficiente que a radiografia de cavum, uma vez que o posicionamento da cabeça do paciente é padronizado.
A ressonância magnética, de acordo com Stuck et al. e Welch et al., é uma ferramenta poderosa na determinação da anatomia nasofaringeana, por permitir exata mensuração das estruturas envolvidas, nas três dimensões. O alto custo, porém, inviabiliza sua utilização rotineira.
Outro método bastante eficaz, e de menor custo, é a endoscopia nasal, pois também proporciona uma imagem da nasofaringe em três dimensões, além de permitir a visualização da cor e da textura da mucosa dessa região. Hsu confirmou a eficiência desse exame, ao compará-lo com a ressonância magnética e encontrar nele grande confiabilidade. Ameli et al. e Wang et al. consideraram a endoscopia nasal o melhor exame para a avaliação da nasofaringe, por ser eficiente, menos traumática e mais facilmente aceita do que outros métodos.
Segundo Kubba e Bingham, o correto diagnóstico da hipertrofia de adenoide é essencial para a determinação do plano de tratamento adequado, que pode, inclusive, ser cirúrgico. No entanto, apesar das limitações e das controvérsias que envolvem o exame radiográfico, esse ainda é o método mais utilizado pelos cirurgiões-dentistas no diagnóstico de seus pacientes e na realização de pesquisas acerca da respiração bucal. Logo, torna-se importante uma avaliação desse método, a fim de minimizar, ao máximo, os erros de diagnóstico e de interpretação dos resultados de pesquisas científicas.
Pretendeu-se, com o presente estudo, investigar a eficácia da radiografia cefalométrica lateral no diagnóstico da hipertrofia de adenoide.

MATERIAL E MÉTODOS

Para definição da amostra, foram selecionados pacientes da graduação e da pós-graduação em Ortodontia da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia e da graduação da Faculdade de Odontologia da Fundação Bahiana para o Desenvolvimento das Ciências. Dentre os pacientes das instituições citadas, participaram do estudo os 30 primeiros que necessitaram realizar a radiografia cefalométrica lateral, que não haviam sido submetidos a cirurgias otorrinolaringológicas e cujos responsáveis aceitaram que os filhos participassem da pesquisa. A amostra foi, então, composta por 30 indivíduos, sendo 14 do gênero feminino e 16 do gênero masculino, com idades variando de 7 a 12 anos.
Cada um dos indivíduos foi, então, submetido ao exame de endoscopia nasal e, no mesmo dia, à realização de uma radiografia cefalométrica lateral.
Em cada radiografia, foi realizado um traçado cefalométrico manual, pelo mesmo operador, das estruturas de interesse.
O cefalograma utilizado nessa pesquisa foi constituído por algumas estruturas anatômicas, do crânio e da face, relatadas por Araujo, além de outras estruturas importantes para o estudo, como as paredes posteriores da nasofaringe e bucofaringe e o contorno posterior do palato. Nos casos de recobrimento do segmento superior da nasofaringe pela presença das vegetações adenoideanas, seu contorno anterior também foi traçado. 
Sobre os traçados, determinou-se os seguintes pontos cefalométricos:
• sela (S) – centro geométrico da sela turca do osso esfenoide;
• pterigomaxilar (Ptm) – vértice da fissura pterigomaxilar, formada pela curva anterior do processo pterigoide do osso esfenoide e pelo contorno da tuberosidade retromolar da maxila;
• adenoide (Ad) – ponto de maior convexidade do contorno da adenoide;
• espinha nasal anterior (ENA) – extremidade da espinha nasal anterior;
• espinha nasal posterior (ENP) – extremidade da espinha nasal posterior;
• palato inferior (Pi) – ponto mais inferior do palato mole.
Uma vez demarcados esses pontos, foi traçada a linha sela–pterigomaxilar (S-Ptm). Posteriormente, foi determinado o espaço livre da nasofaringe, traçando-se uma linha paralela à linha S-Ptm, passando pelo ponto Ad e indo até a parede posterior do palato mole. Da interseção dessa linha com o contorno posterior do palato mole, foi obtido o ponto palato mole (Pm). A linha adenoide–palato mole (Ad-Pm) corresponde ao local de maior estreitamento da nasofaringe. O tamanho da linha Ad-Pm foi utilizado, nesse estudo, para determinar o menor diâmetro anteroposterior livre da nasofaringe. Também foram traçadas as linhas ENA-ENP e ENP-Pi e, posteriormente, medido o ângulo ENA-ENP-Pi. Esse ângulo foi determinado com o objetivo de verificar se, durante a tomada radiográfica, algum paciente teria elevado o palato mole em decorrência de algum movimento funcional, como fonação ou deglutição, o que poderia diminuir o espaço livre da nasofaringe. Para isso, foi utilizado o valor preconizado por Santos-Pinto como normal para esse ângulo, que foi de 131 ± 5º.
A avaliação da endoscopia nasal foi realizada por dois avaliadores, otorrinolaringologistas previamente calibrados, em momentos diferentes. Eles não tinham conhecimento prévio do resultado do estudo radiográfico dos pacientes. Posteriormente, o grau de obstrução da nasofaringe obtido nesse exame, que foi considerado o padrão-ouro, foi registrado, sob a forma de porcentagem, e comparado aos valores obtidos na avaliação radiográfica.
Para a avaliação endoscópica, determinou-se que, nos casos em que a obstrução da nasofaringe fosse maior ou igual a 75%, o paciente seria considerado portador de hipertrofia severa da adenoide. Para os resultados do exame radiográfico, os pacientes que apresentaram a menor dimensão anteroposterior livre da nasofaringe menor ou igual a 5mm foram considerados portadores de hipertrofia severa da adenoide.
Para todos os testes estatísticos realizados nesse trabalho, foi assumido o valor de p < 0,05 para que os resultados fossem considerados estatisticamente significantes.

RESULTADOS

A avaliação do ângulo ENA-ENP-Pi revelou que nenhum indivíduo o apresentou maior do que 131 ± 5º (valor preconizado como normal, por Santos-Pinto, em 1984), demonstrando que não houve influência de movimentos funcionais, como deglutição ou fonação, na elevação do palato mole, com a consequente diminuição do espaço livre da nasofaringe.
Considerando a endoscopia o padrão-ouro para o diagnóstico da hipertrofia de adenoide, o exame radiográfico teve sensibilidade (proporção entre o número de diagnósticos radiográficos positivos corretos e o número total de casos positivos) de 75%. A especificidade do exame radiográfico (proporção entre o número de diagnósticos negativos corretos e o número total de casos negativos) foi de 86,3%.
O valor preditivo positivo do exame radiográfico (proporção entre o número de diagnósticos radiográficos positivos corretos e o número total de diagnósticos radiográficos positivos) foi de 66,7%. O valor preditivo negativo (proporção entre o número de diagnósticos radiográficos negativos corretos e o número total de diagnósticos radiográficos negativos) foi de 90,4%. Finalmente, a exatidão do exame radiográfico (proporção entre o número de diagnósticos radiográficos corretos e o número total de diagnósticos radiográficos) foi de 83,3% .

DISCUSSÃO

Alguns dos estudos que não consideram a radiografia um exame adequado para a avaliação de problemas nasofaringeanos, o fazem por não terem encontrado forte correlação entre os achados radiográficos de hipertrofia de adenoide e o padrão de respiração bucal dos pacientes avaliados. Vig et al., por exemplo, observaram valores baixos de sensibilidade e especificidade para a radiografia no diagnóstico de respiração bucal, comparando seus resultados aos do exame de rinomanometria, que avalia a resistência nasal. No entanto, o exame radiográfico não pode ser utilizado isoladamente para dar o diagnóstico de respiração bucal. Ele deve ser indicado para a avaliação de características anatômicas da nasofaringe como, por exemplo, do volume adenoideano e, a partir daí, nos casos de detecção de anormalidades, o paciente deve ser encaminhado para avaliações mais completas. Não foi a intenção do presente trabalho sugerir a radiografia cefalométrica como principal meio de diagnóstico para a respiração bucal, e sim avaliar sua importância no diagnóstico de uma das condições mais frequentemente associadas a esses pacientes, que é a hipertrofia de adenoide.
Para alguns autores, a endoscopia nasal é um exame de excelência no diagnóstico de problemas localizados na nasofaringe, por permitir a visualização praticamente direta da região, em três dimensões, além de possibilitar a observação da cor e da textura da mucosa envolvida. Portanto, avaliar a eficiência da radiografia cefalométrica lateral no diagnóstico da hipertrofia de adenoide, pela comparação de seus resultados aos de endoscopias nasais, parece ser um método eficaz.
Os achados do presente trabalho, que indicam a eficiência do exame radiográfico no diagnóstico da hipertrofia de adenoide, estão de acordo com os trabalhos de Ikino et al.; McNamara; Poole, Engel, Chaconas; Pruzansky e Subtelny, mas contradizem os achados de Al Kindy, Obaideen, Ameli et al.; Vig et al. e Wang et al.
Nem todos os trabalhos que consideram a radiografia um exame de pouca utilidade para o diagnóstico de problemas nasofaringeanos utilizaram a radiografia cefalométrica lateral. A falta de padronização das tomadas radiográficas utilizadas pode ter influenciado nos resultados negativos desse exame. Como foi mostrado por Ikino et al., a radiografia de cavum, bastante utilizada entre os otorrinolaringologistas, apresenta, no diagnóstico da hipertrofia de adenoide, eficiência bem inferior à da radiografia cefalométrica. O fato de, na presente pesquisa, ter sido utilizada apenas a radiografia cefalométrica lateral, com a posição da cabeça do paciente padronizada pelo cefalostato, pode ter influenciado, positivamente, nos resultados de eficiência desse exame que, mesmo em duas dimensões, foi capaz de evidenciar a hipertrofia de adenoide. No entanto, apesar dos resultados positivos encontrados nesse trabalho, não se pode dizer que o exame radiográfico é o melhor método para o diagnóstico da hipertrofia de adenoide. Ao ser comparado à endoscopia, a sensibilidade do exame radiográfico, ou seja, a probabilidade de o exame dar resultado positivo quando o paciente apresenta a condição, foi de 75%; e o valor preditivo positivo, ou seja, a probabilidade de um exame que teve resultado positivo pertencer a um indivíduo que é portador da condição, foi de 66,7%. Os dois, principalmente o primeiro, são valores altos, que recomendam a utilização desse exame para a finalidade em questão. Contudo, o exame radiográfico não pode substituir, em todas as situações, os outros exames de imagem, reconhecidamente mais eficientes. A radiografia é, sem dúvida, mais eficiente que exames como a palpação digital e a inspeção visual direta, mas a endoscopia nasal e a ressonância magnética continuam sendo exames mais completos e eficazes. No entanto, esses nem sempre são acessíveis para os pacientes, seja por limitações financeiras ou por falta de equipamentos disponíveis.
Esse aspecto se torna ainda mais importante quando se trata de pacientes que irão se submeter a um tratamento ortodôntico e que, por isso, farão a radiografia cefalométrica lateral com finalidade de diagnóstico, independentemente de sua condição respiratória. Para esses pacientes, a utilidade desse exame é ainda maior, pois pode evitar os custos financeiro e biológico da realização desnecessária de outro exame.
A determinação de um plano de tratamento cirúrgico envolve uma série de outros fatores, como dimensão livre remanescente da nasofaringe, idade do paciente, condições sistêmicas, entre outros. Portanto, naqueles casos nos quais a radiografia cefalométrica indica a hipertrofia de adenoide, o paciente deve ser encaminhado para fazer outros exames, a fim de que o tratamento adequado seja recomendado. Portanto, é mais importante que os resultados negativos para essa condição sejam fiéis do que, propriamente, os positivos, já que um resultado radiográfico negativo para hipertrofia de adenoide pode fazer com que o paciente não seja referido para o tratamento dessa condição, caso o mesmo não apresente outros sinais ou sintomas de distúrbios respiratórios. E os testes que avaliam esse aspecto foram ainda mais positivos. A especificidade do exame radiográfico, ou seja, a probabilidade de dar resultado negativo quando o paciente não apresenta a condição, foi de 86,3%. E o valor preditivo negativo, que expressa a probabilidade de o indivíduo não apresentar o problema quando o resultado do exame é negativo, foi de 90,4%. Logo, a radiografia cefalométrica lateral se mostrou um bom exame para o diagnóstico da hipertrofia de adenoide, principalmente para descartar a existência do problema, o que, como já foi mencionado, é ainda mais importante.

CONCLUSÃO

A radiografia cefalométrica lateral se mostrou um exame eficiente, com sensibilidade, especificidade e valores preditivos positivo e negativo altos para o diagnóstico da hipertrofia de adenoide. Isso foi comprovado pela forte correlação entre os seus resultados e os da endoscopia nasal, que é considerada o exame padrão-ouro para o diagnóstico dessa condição.

Artigo na íntegra via Scielo:

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