sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Avaliação do espaço aéreo faríngeo por meio da tomografia computadorizada de feixe cônico


              
Artigo publicado na revista Dental Press Journal of Orthodontics, no ano de 2010, por Sabrina dos Reis Zinsly, Luiz César de Moraes, Paula de Moura, Weber Ursi.

A avaliação do espaço aéreo superior faz parte da rotina na elaboração do diagnóstico e plano de tratamento ortodôntico. A radiografia cefalométrica em norma lateral tem sido usada rotineiramente na avaliação da permeabilidade do espaço aéreo, esbarrando na limitação de fornecer uma imagem bidimensional de uma estrutura tridimensional. A Tomografia Computadorizada de Feixe Cônico (TCFC) tem entrado na realidade ortodôntica trazendo um arsenal de informações concernentes ao espaço aéreo superior. Por fornecer uma imagem tridimensional, possibilita determinar de maneira precisa a área de maior estreitamento da faringe, que ofereceria maior resistência à passagem aérea.
O propósito deste artigo é esclarecer o ortodontista quanto aos recursos disponíveis na TCFC para o diagnóstico de possíveis barreiras físicas que possam diminuir a permeabilidade das vias aéreas superiores. 

A relação entre os distúrbios do padrão respiratório e as alterações da morfologia facial tem sido exaustivamente debatida sendo controversa. As opiniões conflitantes podem ser divididas em duas correntes: aquela que considera o padrão respiratório como um importante fator etiológico na produção da síndrome da face longa; e outra que acredita que ela seja expressão do padrão hereditário e o padrão respiratório atuaria somente como um fator agravante. Prevalece, atualmente, a opinião de que a morfologia esquelética seja resultante do crescimento determinado geneticamente, sobreposto pela ação da sua matriz funcional, sendo que a ação do genótipo do tecido mole continuaria durante o crescimento.
Vários fatores podem ser associados à respiração bucal, dentre eles estão o estreitamento da passagem nasal, nasofaringe estreita ou obstruída, hipertrofia de membranas nasais, cornetos aumentados, tonsilas faríngeas ou palatinas hipertróficas, desvios de septo nasal, atresia das cóanas e tumores no nariz ou nasofaringe.
Quando o tamanho do espaço nasofaríngeo apresenta-se diminuído — seja pela presença da adenoide ou pela estrutura anatômica estreita da nasofaringe —, o desequilíbrio funcional resultante pode impactar o crescimento e desenvolvimento craniofacial, representado pela tendência de crescimento vertical da face, levando ao estereótipo da face adenoideana ou síndrome da face longa. Essa síndrome é caracterizada pela incompetência labial, narinas pouco desenvolvidas, atresia maxilar com a presença de palato profundo e mordida cruzada posterior, aumento da altura facial anterior inferior, maior ângulo goníaco e mandíbula retrognática. Por ser uma síndrome multifatorial, nem sempre é de fácil diagnóstico e, para o êxito do tratamento, há necessidade de interação e atuação multidisciplinar.
O espaço aéreo superior pode ser descrito em termos de altura, largura e profundidade. Sabemos que o fator limitante, que determina a capacidade respiratória, é a menor área transversal da passagem aérea, sendo que ela pode ocorrer em qualquer ponto da trajetória faríngea. A maioria dos estudos foi baseada em radiografias cefalométricas em norma lateral pelo fato dela compor a documentação para o planejamento adequado do indivíduo com necessidade de tratamento ortodôntico. A radiografia cefalométrica, embora seja capaz de fornecer inúmeras informações, esbarra na capacidade de somente fornecer uma imagem bidimensional (altura e profundidade) de uma estrutura tridimensional, não possibilitando, portanto uma avaliação precisa da complexidade dessa estrutura e de sua dimensão.
A tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) tornou possível adquirir a imagem de todas as estruturas do complexo maxilofacial em volume. Com o uso de softwares específicos e de acordo com protocolos de aquisição baseados nas necessidades individuais, esse volume digital pode ser transformado em imagens multiplanares (axiais, coronais e sagitais). O software, através de suas ferramentas, permite ainda obter mensurações relativas às estruturas ósseas, como também realizar avaliações dos tecidos moles em 3D, tanto para tegumento quanto para formas, volumes e características da face e vias aéreas superiores.
Atualmente, vem crescendo o número de profissionais que utilizam a documentação 3D na elaboração do diagnóstico e plano de tratamento ortodôntico. Os tomógrafos computadorizados de feixe cônico têm se tornado mais eficientes, com redução do tempo de aquisição e desenvolvimento de softwares específicos, que permitem um melhor processamento e análise da imagem tridimensional das estruturas da região maxilofacial. Essas informações podem fornecer ao clínico subsídios que possibilitem decisões racionais quanto ao tratamento aplicado em indivíduos em crescimento com espaço aéreo faríngeo diminuído, visando minimizar a influência etiológica do padrão respiratório no desenvolvimento da má oclusão.

AVALIAÇÃO DO ESPAÇO AÉREO SUPERIOR

           Diferentes formas de exames complementares baseados em imagens têm sido empregadas para avaliar o espaço aéreo superior, estruturas esqueléticas e tecidos moles adjacentes. Cada método possui vantagens e desvantagens inerentes, não existindo consenso quanto ao procedimento padrão-ouro para sua avaliação. Entre os métodos aplicados estão a rinometria acústica, fluoroscopia, nasofaringoscopia, ressonância magnética, cefalometria e tomografia.
Ao longo do último século, um grande número de análises foi sugerido para avaliação do espaço aéreo superior nas radiografias em norma lateral empregando medidas lineares, angulares e áreas sagitais entre pontos cefalométricos. Esses pontos são definidos pela sobreposição da projeção de diferentes estruturas. Aboudara et al., comparando a tomografia e a radiografia cefalométrica em norma lateral na avaliação do espaço aéreo faríngeo, encontraram correlação significativa entre a área sagital obtida da radiografia e o volume obtido na TCFC, embora o volume obtido na tomografia tenha apresentado maior variabilidade em pacientes com espaço aéreo semelhante na
radiografia cefalométrica em norma lateral. Isso é esperado, uma vez que, na análise cefalométrica lateral na radiografia convencional, somente são avaliadas a altura e a profundidade da faringe, não possibilitando a análise transversa, ou seja, da largura da mesma.
Clinicamente, o ortodontista pode avaliar o espaço aéreo obstruído na radiografia cefalométrica convencional. Quando essa obstrução é considerada severa, o paciente é encaminhado ao otorrinolaringologista. Torna-se imperativo o uso de ferramentas de diagnóstico mais precisas, que forneçam, tanto ao ortodontista como ao otorrinolaringologista, subsídios que orientem quanto à conduta a ser aplicada, evitando que restrições na passagem aérea influenciem definitivamente a dentição, fala e desenvolvimento craniofacial.

OBTENÇÃO DA TCFC PARA AVALIAÇÃO DAS VIAS AÉREAS

O exame tomográfico para avaliação das vias aéreas possui um protocolo específico de aquisição da imagem. O paciente deve ser posicionado sentado, em máxima intercuspidação, com o plano sagital mediano perpendicular ao plano horizontal, e o plano de Frankfurt paralelo ao plano horizontal.  A imagem crua (raw data) é reconstruída, possibilitando a visualização da reconstrução 3D e de cortes multiplanares. Essas imagens bidimensionais da faringe podem ser percorridas em qualquer direção. As mais frequentemente empregadas são os cortes sagitais, coronais e axiais.
As imagens podem ser melhor observadas utilizando-se ferramentas específicas. A imagem pode ser girada ou aumentada, para permitir melhor avaliação de regiões específicas, podendo ser renderizadas em qualquer ângulo, escala ou posição. É possível aplicar-se diferentes tipos de filtros, permitindo a diferenciação entre tecidos de diferentes densidades e, ainda, a aplicação de transparência, permitindo a visualização do tecido duro através do tecido mole. Proporciona também a ferramenta de medição linear, onde podem ser avaliadas altura, largura e profundidade de qualquer porção da faringe . Essas imagens podem ainda ser transformadas em arquivos DICOM (Digital Imaging and Communications in Medicine), podendo ser exportadas para outros softwares de avaliação de imagens tridimensionais, que, por sua vez, possibilitam uma maior gama de recursos na avaliação do espaço aéreo.

VISUALIZAÇÃO DO ESPAÇO AÉREO SUPERIOR NA TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA DE FEIXE CÔNICO

No programa Dolphin Imaging versão 11.0, a ferramenta de análise do espaço aéreo permite avaliar o formato e contorno do espaço aéreo superior nas três dimensões, assim como calcular volume, área sagital e a menor área transversa de qualquer área do espaço aéreo predefinida. É possível obter a segmentação do espaço aéreo superior, podendo essa imagem ser girada e aumentada. O programa permite dois filtros de delimitação: para tecidos duros e para tecidos moles, permitindo que o espaço aéreo seja visualizado juntamente com o tecido esquelético ou isoladamente.
Uma vez selecionada a ferramenta de avaliação do espaço aéreo, é necessário definir, a partir do corte sagital, a porção do espaço aéreo de interesse. O programa fornece de maneira automática a área e o volume total da região delimitada previamente, bem como a localização e a dimensão da área de maior estreitamento do espaço aéreo.

AVALIAÇãO DA MORFOLOGIA NAS RECONSTRUÇÕES 3D

            As reconstruções 3D também possibilitam a avaliação da morfologia do espaço aéreo. A resistência ao fluxo aéreo não está somente relacionada com o tamanho do espaço aéreo, mas também com a sua forma. O espaço aéreo pode ser grande, no entanto, um trajeto tortuoso pode propiciar uma grande resistência efetiva ao fluxo aéreo a ponto de afetar a função respiratória. Estudos realizados em TCFC estabeleceram correlação entre o formato do espaço aéreo e o padrão facial. O espaço aéreo orofaríngeo de indivíduos portadores de padrão esquelético anteroposterior de Classe III parece ser mais largo e achatado20, tendo uma orientação mais vertical em relação ao plano sagital. Já indivíduos com padrão esquelético anteroposterior de Classe II apresentaram uma orientação mais anteriorizada do espaço aéreo superior. Abransom et al. também avaliaram alterações na forma da faringe, afirmando que o espaço aéreo se torna mais largo no sentido transverso, e com isso mais elíptico, com a idade. Ogawa et al. associaram a forma do espaço aéreo com a Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS). Pacientes portadores de SAOS apresentavam uma forma mais elíptica ou côncava do espaço aéreo, enquanto indivíduos não portadores apresentavam uma forma mais arredondada ou quadrada.

AVALIAÇÃO DO ESPAÇO AÉREO SUPERIOR E A SAOS

O colabamento pode ocorrer em diferentes pontos do espaço aéreo superior em cada paciente portador de SAOS, sendo as regiões retroglossal e retropalatal as mais frequentemente envolvidas. Sabemos que a faringe é delimitada por parede musculomembranosa sustentada por um arcabouço esquelético; portanto, a área de maior estreitamento depende da relação entre as estruturas
craniofaciais esqueléticas e de tecido mole circundantes. Assim, as amígdalas palatinas e faríngeas, o palato mole, a úvula, a língua e as paredes laterais da faringe são estruturas de tecido mole na faringe fundamentais na delimitação do espaço aéreo superior. Já a mandíbula e o osso hioide são as principais estruturas esqueléticas determinantes do espaço aéreo. Qualquer anormalidade nessas estruturas irá afetar o espaço aéreo, levando à SAOS.
Para que se possa avaliar a morfologia do espaço aéreo superior, determinar o grau e local do estreitamento, bem como avaliar a eficácia do tratamento escolhido, têm sido empregados exames como nasofaringoscopia com a manobra de Muller, fluoroscopia, cefalometria, rinomanometria, ressonância magnética e tomografia.
Estudos cefalométricos têm demonstrado que indivíduos portadores de SAOS, quando comparados com indivíduos não portadores, apresentam mandíbulas menores e retropostas, estreitamento do espaço aéreo posterior, línguas maiores, osso hioide posicionado mais inferiormente e maxila retroposicionada. Embora essas informações sejam valiosas, não possibilitam que o clínico tenha acesso à morfologia complexa do espaço aéreo superior.
A TCFC, por ser tridimensional, possibilita avaliar o espaço aéreo e estruturas circunvizinhas, determinando medidas tridimensionais da naso, oro e hipofaringe, como a área de maior estreitamento, o volume e a menor dimensão anteroposterior e lateral da faringe em pacientes portadores de SAOS. É possível também avaliar as mudanças que seriam potencialmente induzidas pela modalidade terapêutica escolhida, podendo identificar quais pacientes seriam beneficiados pelo tratamento. Haskell et al. afirmaram ser possível prever a quantidade de aumento do volume total e da área de secção transversa da orofaringe obtido com o avanço mandibular proporcionado pelo aparelho. Já a localização da área de maior estreitamento poderia se mover para qualquer ponto mais superior ou inferior da faringe. Afirmaram, portanto, ser necessária uma avaliação tomográfica anteriormente à instalação do aparelho, para determinar se o paciente se beneficiaria com o seu uso. Salientaram ainda que, no tratamento da SAOS, é mais importante obter uma melhora nessa região de maior estreitamento do que aumentar o volume da faringe como um todo.

IMPLICAÇÕES CLÍNICAS E LIMITAÇÕES DA TCFC NA AVALIAÇÃO DO ESPAÇO AÉREO SUPERIOR

Além da anatomia do tecido mole e esquelético, o espaço aéreo depende de algumas variáveis dinâmicas como volume pulmonar, pressão intraluminal e extraluminal, tonicidade muscular e posição de cabeça. O espaço aéreo faríngeo parece sofrer influência de mudanças na posição da cabeça. Tanto o palato mole como a língua são estruturas compostas por tecido mole, sem  suporte rígido, sendo consideravelmente afetadas pelas forças gravitacionais. Portanto, em tomografias e outros exames obtidos na posição supina, essas estruturas deslocam-se posteriormente em direção à parede posterior da faringe, ocasionando alterações nas medidas dimensionais do espaço aéreo superior. Lohse et al. sugerem que, para avaliação de pacientes portadores de SAOS, seja realizada uma modificação da técnica de obtenção da TCFC removendo-se o posicionador do mento, de forma que o paciente possa adotar a posição natural da cabeça (PNC).
O tamanho e a morfologia do espaço aéreo variam durante a inspiração e a expiração. O tempo de aquisição dos exames tomográficos gira em torno de 20 a 40 segundos, tempo muito longo para que o indivíduo possa controlar os movimentos respiratórios. Espera-se que, em um futuro próximo, o tempo de aquisição da TCFC seja menor, de maneira a evitar que a movimentação do paciente durante a aquisição (movimentos respiratórios, deglutição e movimentos involuntários) altere o resultado do exame.

CONCLUSÃO

           Apesar de ainda não estarem disponíveis padrões normativos para as informações que a TCFC propiciou, um grande número de trabalhos científicos tem sido realizado com esse intuito. Isso permite crer que, em breve, a TCFC poderá fornecer subsídios que norteiem o diagnóstico e planejamento ortodôntico, direcionando o clínico quanto aos efeitos no espaço aéreo do indivíduo provocados pela mecanoterapia aplicada e as conseqüências advindas dessa alteração.

Artigo na íntegra em PDF via Scielo:


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